quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Sobre um concerto Renascentista

Regi o Coro Madrigale em um concerto inteiramente dedicado à música sacra do período da renascença musical. Um concerto especial que me trouxe a vontade de escrever um pouco sobre o estilo e o que significa cantar uma música que está muito distante do nosso tempo.

A idéia, na verdade, não foi nossa, mas do pároco da Catedral da Boa Viagem, aqui de Belo Horizonte, o Padre Marcelo Silva. Ele nos sugeriu esse tema desde o princípio do ano e, eu confesso, fiquei um pouco receoso, já que entendo que as músicas daquele período são por demais funcionais e nem sempre são muito compreendidas pelo público.

Explicando: música funcional é aquela destinada a um momento (função) próprio, uma missa, por exemplo, e nem sempre é plenamente vivenciada e entendida se sai do seu contexto específico. Assim é o caso da música polifônica renascentista, do gregoriano, do ritual da pajelança numa aldeia de índios, dos cantos de congado... Ou seja, nem sempre cabem em concertos!!!

Por isso, foi necessária uma pequena contextualização, explicação, para que o público se ajustasse auditiva e espiritualmente, tendo como bom anteparo (palavra terrível) a nave da Igreja da Boa Viagem com a sua acústica perfeita para esse tipo específico de música.

Aqui cabe uma consideração sobre o fazer essa música e o que ela significa para os coros e cantores. Nem todos apreciam o estilo polifônico-modal da renascença, mas isso entra no âmbito do gosto e é inquestionável. Mas todos entendem o que essa música específica traz de benefícios e acertos para o instrumento coral, já que trata da melhor maneira de se escrever para vozes em conjunto, algo que é, constantemente, resgatado e perdido ao longo da história das composições. 

Trata-se de música feita por quem, de fato, entendia do instrumento vocal e explorava sonoridades de acordo com acústicas e momentos litúrgicos específicos. Exige conhecimento e expertise o tempo inteiro e conduz a uma inteireza de conjunto que não se consegue em outros estilos. Não que seja melhor do que os outros, mas é mais específico. Os compositores daquela época eram especialistas em coro. Simples assim.

Me lembro de um comentário feito para mim pelo meu mestre Sergio Magnani, em algum momento de minha formação, quando perguntei sobre a melhor maneira de se montar um coro. Ele disse: comece pela renascença e não haverá erro no percurso. Tinha razão o velho mestre, o que posso constatar pela minha já longa experiência coral, pois o que veio depois das primeiras experiências foi um caminho natural de progressão para os outros estilos, sempre com segurança na abordagem das novas linguagens.

Mesmo hoje, para mim, é fácil observar em alguns conjuntos a falha no conhecimento do universo horizontal da melodia, na confiança de grupo adquirida pelo passar o bastão da melodia de um para o outro, sendo, por sua vez, amparado pelo outros de maneira integral e independente. É se fazer interdependente ao invés de independente, como propõe o pensamento vertical. Resumindo: o que importa é força do conjunto.


Essa música soa fora do nosso mundo? Sim. Mas é plena quando enxergada da maneira como tão intensamente disse o Padre Marcelo no dia do concerto: é ver a música sem olhar, se entregando a ela de maneira plena, sem individualidade, entendendo para que se faz a música e, sobretudo, para quem se faz a música. Perfeito.




quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Requiem de Mozart


A certeza da morte e o entendimento da sua inevitabilidade só nos faz viver com intensidade, e a reflexão sobre esse tema, no campo da criação musical, nos deixou um legado todo especial de obras-primas, com algumas das mais belas melodias de todos os tempos.

No caso de Mozart, uma possível consciência do próprio fim conduziu à criação de cenários dramáticos de uma beleza indescritível. Se ele compôs o seu Requiem para o seu próprio funeral, ou se foi coagido a escrevê-la tendo sido assombrado por fantasmas de vida e de morte, isso não nos afeta no ato da execução da obra, mas, sim, a busca por uma recriação desse universo, pensado por ele, dentro da perspectiva do nosso tempo e de nossas experiências.

E por que os músicos têm tanto interesse nessa obra do compositor vienense? Porque é bela? Porque é popular? Porque emociona? Porque é um desafio de execução e interpretação? Porque é uma fonte inesgotável de aprendizados técnicos musicais? Porque nos convida a reflexões acerca da vida e da morte? Sem dúvida, a resposta é uma junção de todos esses elementos.

As interpretações do Requiem são muitas, e mesmo as desse maestro se modificam com o passar do tempo já que o percurso de vida modifica intensamente a maneira de pensar a música. A desse ano foge, eu diria, do princípio escatológico, pois foi precedida do estudo e execução de um outro Requiem, o de Brahms, uma composição que celebra a vida, mesmo que tendo como tema principal a morte.

Jamais penso nessa obra como uma missa de mortos, mas como uma celebração da plenitude da vida que conduz ao descanso. Esta celebração, ainda que intimista, eu tento reproduzir a partir da presença marcante do tímpano, o qual é, para mim, um solista dentro da grande obra. Quem não se emociona, sobretudo se estamos dentro de um templo, com as três primeiras batidas desse instrumento que antecedem a primeira entrada dos baixos, justamente com essa palavra mágica: Requiem (descanso)?

A consciência do pecado, tema ainda tão discutido no nosso tempo, não pode, nem deve, ser menosprezada nessa execução, pois somente com essa consciência se vislumbra o cenário operístico de pânico criado na “Sequência”, a partir do tão conhecido Dies Irae. Como não visualizar as chamas do inferno de Dante na apresentação das cordas e no timbre acentuados dos instrumentos de metal?

Mas nada tão tocante quanto, no meio de todo esse pavor, aquele canto do Recordare onde se pede ao Pai que não se esqueça de nós no momento do juízo final. E não percamos de vista a doçura mozartiana estabelecida desde o início pelo quarteto de madeiras. É certo que o pensamento original, com um corne de basseto (vale uma pesquisa para saber que instrumento é esse), é modificado timbristicamente pela clarineta moderna, mas, ainda assim, duvido que Mozart ficaria entristecido com a substituição pelos solos delicados desse instrumento.


E, finalizando, não é interessante como a perspectiva do fim do mundo ainda afeta emocionalmente o nosso tempo? Aprendi, há muito, que essa visão ainda deixa muitos de cabelos arrepiados, e, por isso, me afeta, acima de tudo, como intérprete. Mas que a celebração da vida, ainda que refletindo sobre a morte, se faça com a união estabelecida a cada ano por aqueles, músicos, cantores e público, que se juntam para essa execução do Requiem de Mozart.


terça-feira, 10 de outubro de 2017

Bebendo na fonte

Aprendi, ao longo do tempo, e com alguns bons mestres, que determinadas obras musicais são como fontes de água pura, na qual se deve buscar um gole sempre. Ali, não se mata somente a sede, mas é possível se enxergar no reflexo, e se os olhos estiverem de fato abertos, notar-se-á as modificações de sua fisionomia ao longo do tempo.

Certamente, o Requiem de Brahms é daquelas “fontes” que não servem para todos, mas para aqueles que quiserem, de fato, sorver de uma água pura e miraculosa.

Estou aqui dizendo que somente alguns podem bebê-la? Não. Todos podem usufruir do precioso líquido, mas somente aqueles que estiverem verdadeiramente dispostos a apreciar o seu sabor aproveitarão, de fato, o presente.

Empáfia? Claro que não. O que acontece no nosso tempo é que muitos querem ter pronto e mastigado aquilo que foi processado com muito esforço por outros. A compreensão de determinados símbolos humanos demanda um esforço, um estudo, um agregar de informações, de viver situações, e uma busca de um crescimento interior que, no final, nada mais é do que o desenvolver da sensibilidade.

Contextualizando a fonte: um compositor, maduro aos 33 anos, retira dos mais profundos pesares (perdeu o melhor amigo e depois a mãe) a inspiração para compor uma obra que falasse da transformação do homem através da morte. Escolhe, ele próprio, os textos representativos do seu pensamento e sentimento, mas com o invulgar cuidado de não se expressar como um crente, mas como um ser humano. Essa é a informação básica para mergulhar na obra.

O que acrescentar a essa história? Simples. As outras histórias... a vivência de cada um e as suas experiências.


E quando, mais uma vez, busco essa fonte me vem a pergunta: Alimentado? Sim. Saciado? Não. Ainda demando muitos goles, e por muito tempo...

Madrigale apresentando o Requiem de Brahms
Auditório do Conservatório da UFMG
Belo Horizonte - MG

domingo, 24 de setembro de 2017

Coral BDMG: um exemplo de coro de empresa

Diz a lenda que um coral de empresa é uma atividade realizada por funcionários de uma instituição que tem como objetivo melhorar o relacionamento entre os mesmos a partir de uma inspiração cultural. De fato, o instrumento coral serve muito bem, já que não demanda um conhecimento aprofundado do universo musical. Coros assim são variáveis e criam características específicas de acordo com o tipo de empresa e, consequentemente, com o perfil dos empregados que ela possui.

Por experiência, acredito que essas formações funcionam melhor se forem iniciadas pelos próprios funcionários, mais do que pelo setor de Comunicação ou RH. Isso porque a raiz plantada surge de quem realmente interessa, ou seja, os funcionários. Ah, e como são diferentes os quadros de pessoal de uma empresa de mineração (Coral da Vale), de refinação de petróleo (Coral da Petrobras), de uma aciaria (Coral Acesita)!

Dispostos, desde o princípio, a vestir a “camisa da empresa” e, com essa camisa, divulgar o nome da instituição, cria-se uma vínculo indireto e, ao mesmo tempo, profundo com um nome, o qual, como sempre vi, ultrapassa momentos de bem ou mal-estar da empresa por si só e dos empregados com ela.

Como será o perfil do grupo? Isso varia e depende, na minha opinião, do regente escolhido para condução dos trabalhos. Além disso, a qualidade e a constituição de objetivos, de médio ou longo prazo, também se acertam com as características do maestro.

Isso traz à reflexão a questão da confiança estabelecida entre aqueles que almejam o desenvolvimento de um grupo musical, amadores na verdadeira acepção do termo, e aqueles que escolheram como condutor do trabalho. É notória a vida de curto prazo dos corais de empresa quando o regente não é um profissional da música, mas, como tantas vezes acontece, um colega que tem um “certo conhecimento musical”. Os limites são alcançados rapidamente, e o trabalho deixa de ter sentido de continuidade. Nota-se, então, aquilo tão evidente nesses coros: o desejo de continuidade e evolução. Há limites? Não! Já regi vários coros de empresa e sempre percebi que, quanto maior a exigência e o desafio, mais os integrantes reagem e evoluem.



Assim funciona com o Coral BDMG, um coro criado no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais há 30 anos por funcionários da Casa e regido por mim há 14. Começou com uns 40, 50 cantores e, ao longo do tempo, viajou por Minas, pelo Brasil e pelo exterior. Hoje, tendo funcionários e gente de fora, com alguma relação com a instituição, já subiu nos principais palcos de Estado, cantando em parceria com artistas, o que outros coros, mesmo profissionais, não tiveram condições de fazer. Por várias razões: o impulsionamento da instituição sólida e também pelo fato de criar um nome forte e de respeito com a maturação.


Ser um coro amador é diferente de um coro profissional? Pode ser, na questão da qualidade técnica de alto impacto de um profissional, mas não na seriedade que pode ser adquirida por uma pequena comunidade com o passar dos anos. Isso é o que se chama “amador”. Infelizmente, cada vez menos, se criam corais de empresa. Por quê? Talvez porque, para além das modificações econômicas, quase não existam mais funcionários estáveis ou que almejem carreiras de longo prazo nas empresas. Exatamente por isso, perde-se o desejo de “vestir a camisa” da instituição. Ainda bem que temos o exemplo vivo do CORAL BDMG! 




quinta-feira, 21 de setembro de 2017

De volta...

Olá a todos!!!

Depois de um ano de adaptações, modificações, reassumo este blog. Tendo como referência os trabalhos que executo como professor na Escola de Música da UFMG e como regente dos Coros Madrigale e BDMG, pretendo continuar explicando e discutindo aquilo que acontece no ambiente dos concertos  em Belo Horizonte e pelo mundo. 


As estatísticas do "Blogger.com" me incentivaram ainda mais a dar continuidade ao projeto. Pude perceber que, mesmo sem publicar há algum tempo, as pessoas continuavam lendo os meus posts. A quantidade de acessos foi surpreendente! Então, vamos lá. A partir de amanhã, tem assunto novo por aqui! 


terça-feira, 12 de abril de 2016

Novas peças corais: I Cannot Dance


O compositor, regente e cantor canadense Larry Nickel escreveu, em 2015, a peça I Cannot Dance para ser estreada pelo Salt Lake Vocal Artists. A obra impressiona pela maneira como explora os registros vocais sem estressá-los, o que é marca daqueles que sabem escrever bem para o instrumento coral.

Mais de uma vez, escrevi sobre esse impressionante coro e seu diretor, o maestro Brady Allred. Além de se apresentar em várias partes dos Estados Unidos, realizam regulares turnês à Europa, onde apresentam novas obras do repertório coral.


Também, muitas vezes ao me referir ao Salt Lake Vocal Artists, chamo a atenção ao posicionamento ideal dos microfones para a gravação de coros. Observem a sonoridade plena captada.


segunda-feira, 11 de abril de 2016

Fotos do 4 Cantos BDMG


Uma bela noite. Uma bela cantoria coral.
Não podia ter sido melhor o início da temporada de apresentações do Coral BDMG, abrilhantada pela participação especial dos Corais: Copasa, Melodia e São Tiago.
Um retorno ao coreto, lugar correto para apresentações musicais na praça.

Aqui, algumas fotos tiradas pelo Vinícius Peroni.