A certeza da morte e o entendimento da
sua inevitabilidade só nos faz viver com intensidade, e a reflexão sobre esse
tema, no campo da criação musical, nos deixou um legado todo especial de
obras-primas, com algumas das mais belas melodias de todos os tempos.
No caso de Mozart, uma possível consciência
do próprio fim conduziu à criação de cenários dramáticos de uma beleza
indescritível. Se ele compôs o seu Requiem
para o seu próprio funeral, ou se foi coagido a escrevê-la tendo sido
assombrado por fantasmas de vida e de morte, isso não nos afeta no ato da
execução da obra, mas, sim, a busca por uma recriação desse universo, pensado
por ele, dentro da perspectiva do nosso tempo e de nossas experiências.
E por que os músicos têm tanto interesse
nessa obra do compositor vienense? Porque é bela? Porque é popular? Porque
emociona? Porque é um desafio de execução e interpretação? Porque é uma fonte
inesgotável de aprendizados técnicos musicais? Porque nos convida a reflexões
acerca da vida e da morte? Sem dúvida, a resposta é uma junção de todos esses
elementos.
As interpretações do Requiem são muitas, e mesmo as desse maestro
se modificam com o passar do tempo já que o percurso de vida modifica
intensamente a maneira de pensar a música. A desse ano foge, eu diria, do
princípio escatológico, pois foi precedida do estudo e execução de um outro Requiem, o de Brahms, uma composição que
celebra a vida, mesmo que tendo como tema principal a morte.
Jamais penso nessa obra como uma missa
de mortos, mas como uma celebração da plenitude da vida que conduz ao descanso.
Esta celebração, ainda que intimista, eu tento reproduzir a partir da presença
marcante do tímpano, o qual é, para mim, um solista dentro da grande obra. Quem
não se emociona, sobretudo se estamos dentro de um templo, com as três
primeiras batidas desse instrumento que antecedem a primeira entrada dos baixos,
justamente com essa palavra mágica: Requiem (descanso)?
A consciência do pecado, tema ainda tão
discutido no nosso tempo, não pode, nem deve, ser menosprezada nessa execução,
pois somente com essa consciência se vislumbra o cenário operístico de pânico
criado na “Sequência”, a partir do tão conhecido Dies Irae. Como não visualizar as chamas do inferno de Dante na
apresentação das cordas e no timbre acentuados dos instrumentos de metal?
Mas nada tão tocante quanto, no meio de
todo esse pavor, aquele canto do Recordare onde se pede ao Pai que não se
esqueça de nós no momento do juízo final. E não percamos de vista a doçura
mozartiana estabelecida desde o início pelo quarteto de madeiras. É certo que o
pensamento original, com um corne de basseto (vale uma pesquisa para saber que
instrumento é esse), é modificado timbristicamente pela clarineta moderna, mas,
ainda assim, duvido que Mozart ficaria entristecido com a substituição pelos solos
delicados desse instrumento.
E, finalizando, não é interessante como
a perspectiva do fim do mundo ainda afeta emocionalmente o nosso tempo?
Aprendi, há muito, que essa visão ainda deixa muitos de cabelos arrepiados, e,
por isso, me afeta, acima de tudo, como intérprete. Mas que a celebração da
vida, ainda que refletindo sobre a morte, se faça com a união estabelecida a
cada ano por aqueles, músicos, cantores e público, que se juntam para essa
execução do Requiem de Mozart.
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