sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Hely Drummond — o som da delicadeza

Há pessoas que não passam pela vida: elas a atravessam deixando música. Hely Drummond foi assim. Pianista de alma antiga e ouvido moderno, desses que não precisam de partitura para entender o coração de uma canção.

Conheci Hely no tempo em que o Madrigale ainda buscava novas formas de dizer o que sentia através da música. Ele chegou com seu piano, o humor mineiro e aquela sabedoria silenciosa de quem já viu o palco, a noite, o rádio e o afeto passarem muitas vezes pela mesma tecla. Com ele nasceu o espetáculo HelyElas... e nasceu também uma amizade.

Foram noites de ensaio e riso, canções que iam de Tom Jobim a Johnny Alf, arranjos que traziam a sofisticação de quem sabia que a beleza está no detalhe. Hely era o tipo de músico que acompanhava cantores como quem conversa: escutando, respirando junto, deixando espaço para o outro existir. Seus arranjos tinham algo de transparente. Eram como janelas abertas: o ouvinte via a harmonia, sentia o balanço, mas o que realmente tocava vinha de dentro. Sabiá, O Morro Não Tem Vez, Ilusão à Toa, Cantores do Rádio, Chovendo na Roseira, todas essas músicas, depois que passaram pelas mãos de Hely, nunca mais soaram iguais.

Ele tocava como quem acaricia o tempo. Era generoso, firme e, ao mesmo tempo, brincalhão. Tinha esse dom raro de misturar técnica e ternura. Quando acompanhava o Madrigale, parecia regê-lo com os dedos: o som do piano era extensão da respiração do coro.

Nos bastidores, vinha o humor tranquilo, a história contada em voz baixa, a ironia leve de quem sabia que a vida, como a música, é feita de pausas e surpresas.

Hely partiu em 2022, mas ficou em tudo o que criamos juntos. Ficou nos arranjos que ainda tocamos, nas vozes que ele embalou, nas amizades que cultivou com paciência de artista e de amigo. Ficou, sobretudo, em cada acorde que aprendeu a dizer o indizível.

Hely Drummond não foi apenas um músico do Madrigale. Foi parte do nosso som. E, se é verdade que o som morre quando se cala, então ele ainda não morreu, porque sua música continua ecoando em nós, como um gesto de afeto e de eternidade.

Sua benção, Seu Hely.

🎧 (818) Carinhoso - Coro Madrigale (Hely Drummond) - YouTube




2 comentários:

Marília Sant’Anna Ruas disse...

Grande Hely Drumond! Delicado, brincalhão, simples. O espetáculo HelyElas nos levava a cantar pérolas da nossa música popular. Era uma alegria quando nos era proposta a realização deste espetáculo. Sabíamos que vinham mais arranjos maravilhosos. Difícil era deixar alguma música de fora! No período da pandemia, eles nos acompanhou na maioria das peças gravadas. E, quando tinha que aparecer no vídeo, entrava nas nossas viagens de performance. Me lembro bem, dele com seu chapeuzinho, performando na música O Pato. Que simpatia! Sempre disposto a nos ajudar.
Fica a saudade de uma pessoa que transformou a história do Coro Madrigale.

André Fadul disse...

Que homenagem linda Arnon! Você personificou o Hely em cada palavra!

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Me permitam uma sequência do post do dia 16, anteontem... aqui, o Madrigale cantando a mesma peça em uma apresentação no Programa Viva Músic...