Vocês sabem o que é um madrigal? Como, normalmente,
a resposta é não, permitam-me falar um pouco sobre a formação coral e o gênero.
Tomando como base a formação coral, diz-se que um
madrigal é um coro pequeno, de até 24 cantores. Além disso, por ser um grupo de
câmara, tem por especialidade cantar peças da renascença, sobretudo
madrigais!!! Uma explicação genérica e não funcional, já que muitos “Madrigais”
têm especificidades completamente fora desse padrão. A compreensão do gênero
pode ajudar num conceituação? Acredito que sim.
Então, musicalmente, MADRIGAL é uma composição
musical vocal profana, da Renascença ou do primeiro barroco. No madrigal, o
compositor tenta expressar as emoções contidas em cada linha, e algumas vezes
em palavras individuais, de um poema célebre. O gênero madrigal, apesar
de ser encontrado em diversas regiões da Europa, inclusive no território
português,[1] não
está muito presente na tradição da música brasileira. Contudo, ele guarda em si
um elemento que provocou uma revolução na maneira de compor música a partir do
século XVII e que por isso lhe dá a universalidade: a expressividade. Saindo da
Alta Renascença, em que a música coral era parte integrante da liturgia da
Igreja Católica, e considerando que até então o coro era o principal
instrumento de execução musical, ocorre uma modificação no papel dos
compositores, os quais são levados a se adequar a uma nova maneira de produção
musical provocada pela secularização da cultura musical.[2]
Com efeito, no mundo litúrgico, o
que se esperava do compositor era a composição de uma obra musical que não
tivesse grandes relações de modificação expressiva nem tensões musicais, para
que a execução não interferisse no momento de oração daqueles que ouviam a
música. Já no mundo profano, o que se esperava era justamente o oposto, ou
seja, a criação de imagens e o estímulo das sensações pela representação, em
música, daquilo que poetas representavam com palavras. Deveriam os cantores, a
partir daquele momento, que se constituiu no início do Barroco em música,
empenhar-se na tentativa de reprodução, através de fórmulas musicais, das
diversas tensões que o compositor, particularmente, sentia ao ler e interpretar
um texto. O conceito de interpretação através dos sons, a expressividade em
música, provocou a revolução que nos conduziria à música puramente instrumental
e à individualização do músico e de sua obra de arte. Cria-se o conceito de
artista em música e a mesma deixa de ser funcional para ser um objeto de arte.
Também se inicia, aí, o conceito de música de câmara, trazendo
até nós a denominação referente à execução de música para um nobre ou para um
conjunto de apreciadores musicais que podiam pagar para ter uma capela musical[3] em sua
casa. Considera-se, então, música de
câmara aquela executada por um pequeno conjunto de cantores ou músicos para
um pequeno grupo de ouvintes. Porém a principal modificação de execução musical
não reside nessa estruturação, mas na modificação do papel do compositor,
visível quando o comparamos ao estatuto de que gozava o autor da música
litúrgica até então.
Então, pensando num agrupamento
coral, um madrigal não deve ser caracterizado exclusivamente pelo número de
cantores, mas também pelo repertório, pela característica camerística e pela
capacidade de de interpretar obras expressivas. Mas, não são todas as obras
musicais expressivas? Se você se fez essa pergunta, leia o texto novamente.
Observem
como Monteverdi explora as palavras no madrigal “Io mi son giovinetta” criando
floreios representativos:
"Eu sou uma jovenzinha,
e rio e canto na nova estação.
Cantava a minha doce pastorela
quando subitamente
em resposta àquela canção, o meu coração
cantou qual um passarinho belo e feliz:"
"Eu também sou um jovenzinho
e rio e canto à gentil e bela
primavera do amor
que nos teu belos olhos floresce." E ela diz:
"Fuja, se você é sábio," disse, "do
ardor;
fuja, pois neste raio
não haverá mais primavera para ti."
- Guarini (?) –
[1] Os
portugueses escreviam
principalmente peças eclesiásticas; os poucos madrigais que sobreviveram ao
grande terremoto de 1725, em sua maioria em idioma castelhano, ficaram
guardados na torre do Tombo e atualmente ainda estão sendo descobertos. A
prioridade nas edições modernas, todavia, segue sendo a música sacra.
[2]
Considera-se que a Renascença musical vai do século XII, quando as práticas
contrapontísticas são desenvolvidas, sobretudo em Paris, com a Escola de Notre
Dame, a qual teve como expoentes Léonin e Pérotin, até o final do século XVI,
quando o sistema modal é substituído pelo tonal.
[3]
Conjunto de músicos profissionais mantidos por um mecenas para composição e
execução de música particular.
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