quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O que é um madrigal?

Vocês sabem o que é um madrigal? Como, normalmente, a resposta é não, permitam-me falar um pouco sobre a formação coral e o gênero.

Tomando como base a formação coral, diz-se que um madrigal é um coro pequeno, de até 24 cantores. Além disso, por ser um grupo de câmara, tem por especialidade cantar peças da renascença, sobretudo madrigais!!! Uma explicação genérica e não funcional, já que muitos “Madrigais” têm especificidades completamente fora desse padrão. A compreensão do gênero pode ajudar num conceituação? Acredito que sim.

Então, musicalmente, MADRIGAL é uma composição musical vocal profana, da Renascença ou do primeiro barroco. No madrigal, o compositor tenta expressar as emoções contidas em cada linha, e algumas vezes em palavras individuais, de um poema célebre. O gênero madrigal, apesar de ser encontrado em diversas regiões da Europa, inclusive no território português,[1] não está muito presente na tradição da música brasileira. Contudo, ele guarda em si um elemento que provocou uma revolução na maneira de compor música a partir do século XVII e que por isso lhe dá a universalidade: a expressividade. Saindo da Alta Renascença, em que a música coral era parte integrante da liturgia da Igreja Católica, e considerando que até então o coro era o principal instrumento de execução musical, ocorre uma modificação no papel dos compositores, os quais são levados a se adequar a uma nova maneira de produção musical provocada pela secularização da cultura musical.[2]

Com efeito, no mundo litúrgico, o que se esperava do compositor era a composição de uma obra musical que não tivesse grandes relações de modificação expressiva nem tensões musicais, para que a execução não interferisse no momento de oração daqueles que ouviam a música. Já no mundo profano, o que se esperava era justamente o oposto, ou seja, a criação de imagens e o estímulo das sensações pela representação, em música, daquilo que poetas representavam com palavras. Deveriam os cantores, a partir daquele momento, que se constituiu no início do Barroco em música, empenhar-se na tentativa de reprodução, através de fórmulas musicais, das diversas tensões que o compositor, particularmente, sentia ao ler e interpretar um texto. O conceito de interpretação através dos sons, a expressividade em música, provocou a revolução que nos conduziria à música puramente instrumental e à individualização do músico e de sua obra de arte. Cria-se o conceito de artista em música e a mesma deixa de ser funcional para ser um objeto de arte.

Também se inicia, aí, o conceito de música de câmara, trazendo até nós a denominação referente à execução de música para um nobre ou para um conjunto de apreciadores musicais que podiam pagar para ter uma capela musical[3] em sua casa. Considera-se, então, música de câmara aquela executada por um pequeno conjunto de cantores ou músicos para um pequeno grupo de ouvintes. Porém a principal modificação de execução musical não reside nessa estruturação, mas na modificação do papel do compositor, visível quando o comparamos ao estatuto de que gozava o autor da música litúrgica até então.

Então, pensando num agrupamento coral, um madrigal não deve ser caracterizado exclusivamente pelo número de cantores, mas também pelo repertório, pela característica camerística e pela capacidade de de interpretar obras expressivas. Mas, não são todas as obras musicais expressivas? Se você se fez essa pergunta, leia o texto novamente.

Observem como Monteverdi explora as palavras no madrigal “Io mi son giovinetta” criando floreios representativos:


"Eu sou uma jovenzinha,
e rio e canto na nova estação.
Cantava a minha doce pastorela
quando subitamente
em resposta àquela canção, o meu coração
cantou qual um passarinho belo e feliz:"
"Eu também sou um jovenzinho
e rio e canto à gentil e bela
primavera do amor
que nos teu belos olhos floresce." E ela diz:
"Fuja, se você é sábio," disse, "do ardor;
fuja, pois neste raio
não haverá mais primavera para ti."
- Guarini (?) –



[1] Os portugueses escreviam principalmente peças eclesiásticas; os poucos madrigais que sobreviveram ao grande terremoto de 1725, em sua maioria em idioma castelhano, ficaram guardados na torre do Tombo e atualmente ainda estão sendo descobertos. A prioridade nas edições modernas, todavia, segue sendo a música sacra.
[2] Considera-se que a Renascença musical vai do século XII, quando as práticas contrapontísticas são desenvolvidas, sobretudo em Paris, com a Escola de Notre Dame, a qual teve como expoentes Léonin e Pérotin, até o final do século XVI, quando o sistema modal é substituído pelo tonal.
[3] Conjunto de músicos profissionais mantidos por um mecenas para composição e execução de música particular.

Nenhum comentário:

Postar um comentário