Algumas obras exercem um fascínio sobre os
músicos, sejam elas escritas para instrumentos solo, orquestra, coro ou para um
ajuntamento de todos. Sonatas específicas, sinfonias, missas, etc. são objetos
de desejo desses que se dedicam a uma profissão que busca desenvolver maneiras
que permitam a ele transmitir, através da fruição do som, os seus sentimentos
mais profundos, ou seja, uma mensagem.
A Nona Sinfonia, a Missa da Coroação, a
Missa em si menor, Um Requiem Alemão e muitas outras obras despertaram, e
despertam, uma paixão em cada indivíduo músico que não está no plano do
explicável e a personalidade de cada uma se identifica com a de cada músico
dentro de sua especificidade.
Assim é o Requiem comigo.
Me lembro de ouvir a obra completa em disco
quando criança e pensa que ficaria muito feliz se o final de uma carreira fosse
marcada justamente com a conquista da mesma. Em 1998, quando a Basílica do Cura
D’Ars, em Belo Horizonte, completava 50 anos, o saudoso Pe. Sérgio Palombo me
perguntou se eu gostaria de participar de uma celebração justamente cantando o
Requiem. Respondi, imediatamente, que sim.
Fim de carreira antecipado? De forma
alguma. Naquela ocasião, minha orquestra foi tão somente um organista: Oiliam
Lanna, um grande mestre que me mostrou que aquele era apenas o início de um
estudo que iria se prolongar por vários anos e que está longe de acabar, pois
está para além da partitura simplesmente. Quantos livros eu já tive que ler
para uma melhor compreensão de um universo apocalíptico, mas ao mesmo tempo
repleto de uma fé que se imiscui ao padrão mozartiano de escrita; quantas
experiências ao longo da vida me levaram a reler peças específicas dentro do
próprio Requiem a partir de uma experiência emocional; quantas mudanças de
conhecimento de estilo aconteceram somente na última década; quantos músicos
diferentes ao participarem criaram maneiras diversas e mais elaboradas de
pensarmos um andamento que seja; quantas pessoas já cantaram comigo,
emprestando suas vozes, instrumentos e vontades para a realização de versões
diferentes da mesma obra: algumas mais intimistas, outras mais técnicas;
algumas mais tensas, outras mais fluidas; algumas mais dolorosas, outras cheias
de uma alegria contagiante. Todas movidas por um número enorme de amantes dessa
peça singular. Ou pensam que esse maestro manipula toda a história de um
Requiem sozinho?
Chegando às vésperas de mais uma
apresentação me perguntam se eu me controlo completamente para a execução de
tal peça. A resposta é simples: é claro que não. Como antever o que acontecerá
em mais este concerto? Impossível. Nós músicos somos instrumentos que
produzimos algo em um momento único, que depende de nossa interação com aqueles
que lá estão para participarem conosco do que haverá. A intensidade do Requiem
dependerá dessa sintonia. Ela acontecerá? Não sei. Mas eu não me furto ao
resumo de mais um tempo de vida que se mostra na execução de mais uma récita
deste Requiem querido. O que mudou no maestro? Quem me acompanha, verá.
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