quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O Requiem e o maestro

Algumas obras exercem um fascínio sobre os músicos, sejam elas escritas para instrumentos solo, orquestra, coro ou para um ajuntamento de todos. Sonatas específicas, sinfonias, missas, etc. são objetos de desejo desses que se dedicam a uma profissão que busca desenvolver maneiras que permitam a ele transmitir, através da fruição do som, os seus sentimentos mais profundos, ou seja, uma mensagem.

A Nona Sinfonia, a Missa da Coroação, a Missa em si menor, Um Requiem Alemão e muitas outras obras despertaram, e despertam, uma paixão em cada indivíduo músico que não está no plano do explicável e a personalidade de cada uma se identifica com a de cada músico dentro de sua especificidade.

Assim é o Requiem comigo.

Me lembro de ouvir a obra completa em disco quando criança e pensa que ficaria muito feliz se o final de uma carreira fosse marcada justamente com a conquista da mesma. Em 1998, quando a Basílica do Cura D’Ars, em Belo Horizonte, completava 50 anos, o saudoso Pe. Sérgio Palombo me perguntou se eu gostaria de participar de uma celebração justamente cantando o Requiem. Respondi, imediatamente, que sim.
Fim de carreira antecipado? De forma alguma. Naquela ocasião, minha orquestra foi tão somente um organista: Oiliam Lanna, um grande mestre que me mostrou que aquele era apenas o início de um estudo que iria se prolongar por vários anos e que está longe de acabar, pois está para além da partitura simplesmente. Quantos livros eu já tive que ler para uma melhor compreensão de um universo apocalíptico, mas ao mesmo tempo repleto de uma fé que se imiscui ao padrão mozartiano de escrita; quantas experiências ao longo da vida me levaram a reler peças específicas dentro do próprio Requiem a partir de uma experiência emocional; quantas mudanças de conhecimento de estilo aconteceram somente na última década; quantos músicos diferentes ao participarem criaram maneiras diversas e mais elaboradas de pensarmos um andamento que seja; quantas pessoas já cantaram comigo, emprestando suas vozes, instrumentos e vontades para a realização de versões diferentes da mesma obra: algumas mais intimistas, outras mais técnicas; algumas mais tensas, outras mais fluidas; algumas mais dolorosas, outras cheias de uma alegria contagiante. Todas movidas por um número enorme de amantes dessa peça singular. Ou pensam que esse maestro manipula toda a história de um Requiem sozinho?

Chegando às vésperas de mais uma apresentação me perguntam se eu me controlo completamente para a execução de tal peça. A resposta é simples: é claro que não. Como antever o que acontecerá em mais este concerto? Impossível. Nós músicos somos instrumentos que produzimos algo em um momento único, que depende de nossa interação com aqueles que lá estão para participarem conosco do que haverá. A intensidade do Requiem dependerá dessa sintonia. Ela acontecerá? Não sei. Mas eu não me furto ao resumo de mais um tempo de vida que se mostra na execução de mais uma récita deste Requiem querido. O que mudou no maestro? Quem me acompanha, verá. 

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