Boa tarde a todos.
Faltando algumas horas para o concerto de
hoje, quero contar o que aconteceu no último sábado durante o ensaio do Requiem de Mozart, na Catedral da Boa Viagem. Logo no início do dia ficamos
sabendo do falecimento de um dos padres mais antigos da comunidade: o Irmão João. A notícia nos comoveu, porque havia um vínculo indireto do Coro Madrigale, e meu, com o velho padre. Não era uma relação de intimidade, pois
ele nunca se apresentou a ninguém do coro. Mas nós o conhecíamos, já que ele sempre participava de nossas apresentações na igreja. Mesmo sendo um senhor
de 94 anos, com hábitos rígidos (inclusive o de dormir cedo), Padre João modificava tudo quando o assunto era uma apresentação regida por
mim.
E foi uma grande coincidência ensaiar um Requiem completo, da predileção dele, justamente durante o velório que acontecia no salão paroquial da igreja. Já no começo do ensaio,
cantores e instrumentistas foram informados da situação sui generis que nos cercava, no ambiente da comunidade da Catedral, o que criou uma impulsão no pré-realizar
a obra do compositor austríaco. O que deveria ser um simples acerto de detalhes, se tornou, de fato, um pré-concerto. Naquele momento, a emoção tomou conta de todos, porque entendemos que a música que produzíamos estava em
pleno acordo com a condição espiritual do templo e daqueles que ali coexistem.
Não é difícil entender que um músico lida com sentimentos e, consequentemente, com obras que nos
remetem a sensações de alegria. Basta dizermos que algumas das mais belas
melodias produzidas e conhecidas pelos homens fazem parte de obras trágicas e
de natureza “triste” (Réquiens, Paixões, Marchas Fúnebres, etc.). Como, então,
não trazer à baila a questão da funcionalidade do músico e das peças executadas em situações específicas? Muitas vezes, elas complementam o artista mais do que em uma
apresentação de teatro.
Certa vez, o maestro Oiliam
Lanna me disse que não existe um músico sem vaidade, pois, do contrário, ele não
subiria num palco. Mas a funcionalidade nos coloca para além dessa vaidade,
sobretudo quando você resolve prestar uma homenagem a alguém que não conhecia
na intimidade, vai ao velório e até canta um Lacrymosa. Sim! Foi o que aconteceu, no sábado. Os aplausos nos
aguardavam no final da execução? Não. O resultado foi o silêncio
acompanhado de um pulsar interno de satisfação. Uma mistura que nos preenche, porque,
na vida, o que nos move são os sentimentos e o que podemos construir e produzir
a partir deles. E num mundo de aparente descrença, nada melhor do que a música para
representar essas emoções fortes e, às vezes, inexplicáveis.
Vivo intensamente a expectativa de muitos
pela apresentação de hoje. E isso é emocionante!
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