Sei que vários já terão visto as fotos que
aqui coloco, no Facebook, mas ainda assim insisto em trazê-las para este blog
para aqueles não viram, e também para que aqueles que viram possam ter um perspectiva um pouco
diferente a partir de uma pequena narrativa.
Lá estivemos, na Paróquia Sagrada Família,
levando um pouco da nossa música para o Padre Januário e sua comunidade.
Apresentado como um irmão do coração logo me incumbi de mostrar a todos e a ele
(surpreso) que aquele coro que ali estava era o resultado de um investimento em
um jovem maestro e na possibilidade da criação de um conjunto que se pretendia
comunitário. Ele não tinha consciência, pasmem, que o Coro Madrigale era o
fruto daquele gesto de anos passados. E lá percorremos o repertório,
aproveitando uma Ave Maria para que ele pudesse se integrar aos tenores e
cantar, embevecido na oração que para ele tem um significado para muito além do
que nós, leigos, sentimos e entendemos. E no final, ganhei o meu abraço e um
sorriso do tamanho do mundo.
No encontro de criador e criatura, do padre
e do maestro, do coro e de um público simpático uma transformação pode
acontecer quando a fruição musical acontece. Quando a música se faz presente e
alcança os corações de todos trazendo sorrisos e convidando à participação
efetiva de todos no fazer musical.
A recompensa de um artista não está, muitas
das vezes, no simples executar bem a sua arte, mas também no sorriso daquele a
quem você oferece a sua música. Entender que a satisfação plena alcançada com o
ato atingiu aquele que é merecedor do seu gesto pode ser um prêmio sublime,
ainda que fugaz. Façamos música, para além dos nossos umbigos, objetivando os
corações alheios. Façamos música entendendo que uma parte da salvação do mundo
está nela, e que a palavra, cantada, de fato tem poder.
Num lugar acolhedor
O embevecimento do padre (no fundo)
A música me enleva, emociona, impulsiona
E a nós também!!!
O sorriso de um coro é a certeza do dever cumprido.
No último sábado, 21 de novembro,
homenageei intimamente o músico Hostílio Soares (1898-1988), tão importante
para mim e que, infelizmente, ainda não goza do privilégio de ser devidamente
reconhecido no meio musical mineiro. Falo sobre ele, nesse momento, por dois
motivos: o primeiro porque estamos em novembro, mês no qual Hostílio nasceu,
num dia 14, e faleceu, num dia 21. E o segundo porque após um período de
abandono das pesquisas relacionadas ao mestre, por causa do doutoramento,
retomo ao trabalho de resgate de seu acervo.
O
meu contato com as obras do compositor aconteceu de maneira fortuita quando,
em 1995, ainda aluno do curso de regência na Escola de Música da UFMG. Naquela
ocasião, cumprindo a obrigação de orquestrar uma peça musical para coro e
teclado, me chegou às mãos a partitura de As Sete Palavras de Christus Cruxificatum, uma versão final que o maestro
escreveu para coro a 5 vozes e órgão. Numa adaptação para coro e orquestra de
cordas apresentei a obra com o Coro Estável da mesma escola em que eu estudava
e Hostílio foi professor. Foi um espanto na época, pois o que se sabia do
músico era que ele dava o nome à sala de harmonia da instituição e quase
ninguém tinha ideia de quem ele era, apesar de ter falecido somente alguns anos
antes.
Encantado
com o que conheci naquele momento, graças ao Maestro Oiliam Lanna, estabeleci
contato com a família Soares e, dessa forma, tive acesso ao seu acervo de
partituras. De maneira quase que obcecada, trabalhei no resgate e execução,
sempre com o Coro Madrigale, de sua Missa
em Sol Maior (São João Batista) e Missa
de Sábado Santo, além de várias peças corais avulsas. Posteriormente, com o
seu acervo cedido pela família ao Núcleo de Acervos da Escola de Música da
UEMG, o trabalho se ampliou para a recuperação da Sinfonia Krishnamurti, para orquestra de cordas, e da ópera A Vida, além de várias canções e peças
de câmara.
Atualmente, reinicio o percurso abandonado,
temporariamente, recuperando uma segunda ópera: Os Príncipes Românticos. Além disso, a execução de suas obras
recomeçarão no próximo ano, para alegria de um público belo-horizontino que de
muito tempo aprecia as suas composições. Durante um certo período do meu
percurso musical, o meu nome esteve atrelado ao desse compositor por dedicar um
bom tempo ao resgate de suas obras corais, e espero que assim continue, se
possível até que ele se faça bastante conhecido.
Sobre
Hostílio Soares:
Nascido
em Visconde do Rio Branco (MG), filho de pai músico, se graduou em composição
no Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro. Após a conclusão do curso, fundou e dirigiu, em Visconde do Rio Branco, a
Escola de Música Francisco Braga e o Coro Santa Cecília, da Matriz de São João
Batista. Mudou-se para Belo Horizonte em 1931, tornando-se professor do
Conservatório Mineiro de Música em 1932, onde foi professor de Contraponto e
Fuga e professor designado para as cadeiras de Harmonia Elementar e Superior,
Composição e Instrumentação durante 34 anos.
Tido
como uma referência no ensino do contraponto e fuga em Belo Horizonte, Hostílio
venceu vários concursos de composição, mas sempre compondo dentro de uma
linguagem atrelada a um estilo que em música é chamado de romantismo tardio,no
qual a expressividade é valorizada ao extremo utilizando o cromatismo (uma
sucessão de semitons) como principal elemento de estruturação de uma
composição, mas sem se desvencilhar, contudo, dos princípios tonais e formais
do século XIX.
Algumas
de suas obras:
Sinfonias: Annie
Besant, para grande orquestra; Krishnamurti,
para orquestra de cordas; Sinfonia
Descritiva Brasília, para grande orquestra.
Óperas: A Vida;
A História do Asceta e a Dançarina; Os Príncipes Românticos.
Obras corais: AsSete Palavras de Christus Cruxificatum;
Missa São João Batista; Missa de Sábado Santo.
Canto: Álbum
de Canto e Piano (5 peças em vernáculo); O Leque; Heliantos; além
de hinos patrióticos.
O Coro Madrigale realizará um concerto
muito especial no próximo domingo. Especial porque, para além da execução
musical somente, permite o encontro do Coro/maestro com um Padre muito especial:
o Pe. José Januário Moreira. Trata-se de uma história de coincidências
fortuitas que conduziram à criação desse conjunto que há 22 anos vem cantando e
emocionando.
Para chegar ao Madrigale, vou lhes contar
um pouco da trajetória do padre e do maestro através de outros coros:
- o maestro, em 1983, começa a cantar no
Coral d. Silvério de Sete Lagoas, onde o padre cantou anos antes e se desligou para
seus estudos de seminário. O maestro se torna regente auxiliar desse coro a
partir de 1985;
- o padre assume a Paróquia Menino Jesus,
em Belo Horizonte, e resolve, em 1988, fundar um coro de meninos cantores
(tratava-se de um coro de meninos e rapazes). Chama o maestro para conduzi-lo.
Em 1990, o Coro de Meninos da Paróquia Menino Jesus se transformou no Coro
Menino Jesus, quando os naipes de meninos foram substituídos por mulheres;
- em 1992, o maestro encerra as atividades
desse coro para assumir o Coral Newton Paiva;
- Em 1993, solicita ao padre permissão para
utilizar as dependências da Igreja Menino Jesus para o início das atividades de
um coro criado a partir da união de alguns cantores com experiência coral e que
pretendiam desenvolver repertórios elaborados. O padre não só permitiu, mas
também abençoou aquele grupo que se iniciava.
Mal sabia ele que, ali, sem nome e sem
sede, nascia o Coro Madrigale, fruto de uma amizade entre dois ex-meninos
cantores apaixonados pela arte coral e da gestação de indivíduos em outros
coros de extrema importância.
Tantos anos passados, temos a oportunidade
de um reencontro e isso é algo especial, sobretudo para mim, já que não mais
existe no coro nenhum dos cantores iniciantes. O Padre Januário não é o
responsável pela feitura somente do Madrigale, pois, como pároco da Matriz de
Santa Luzia, criou o Coro Mater Ecclesiae que acaba de completar seus 20 anos,
tendo formado vários cantores e músicos ao longo dessa trajetória.
Para esse concerto/encontro fizemos uma
seleção de músicas que pretende agradar ao público que nos assistirá, mas,
muito especialmente, a esse formador e grande amigo.
Concerto Madrigale
Domingo – 22/11/2015
20h00
Paróquia Sagrada Família
Rua Costa Monteiro, 767 – Sagrada Família –
Belo Horizonte
Um dos últimos
posts que escrevi no Blog do Madrigale dizia respeito à música moderna para
coro. Com a intenção de dar sequência a esse assunto, aqui trago o essencial do
post e mostrarei alguns compositores do nosso tempo que se dedicam a esse
instrumento específico. Lá, eu escrevi:
Hino ao Criador da Luz – John Rutter
“Dos compositores
modernos que se dedicam à música coral, dois são muito conhecidos dos
estudiosos desse repertório específico: John Rutter e Eric Whitacre. Nos
próximos dias, mostrarei, além dos dois, mais alguns nomes importantes da
composição coral (pouco comentados, infelizmente, por tratarem desse
instrumento injustiçado: o coro).
Esta peça, para
duplo coro a quatro vozes, foi escrita para os coros da Catedral de Gloucester,
Hereford and Worcester, em 1992. Bem diferente de uma linguagem posterior, mais
conservadora, adotada por ele, o início da peça evoca um emaranhado harmônico
que pode afugentar alguns ouvidos adeptos das harmonias convencionais e tonais.
Não façam isso!!! Prossigam na audição e observem a condução, intencionada, por
ele a um hino sacro alemão do século XVII. “
Hino ao Criador
da Luz
Glória a ti, ó
Senhor, glória seja para ti,
Criador da luz
visível,
Raio do sol, a
chama de fogo;
Criador também da
luz invisível e intelectual:
Aquilo que é
conhecido de Deus, a luz invisível.
Glória a ti, ó
Senhor, glória seja para ti,
Criador da Luz.
Para os escritos
da lei, glória seja para ti:
Para os oráculos
dos profetas, glória seja para ti:
Para a melodia de
salmos, glória seja para ti:
Para a sabedoria
dos provérbios, glória seja para ti:
experiência de
histórias, glória seja para ti:
uma luz que nunca
se põe.
Deus é o Senhor,
quem mostrou-nos luz.
(Lancelot
Andrewes, 1555-1626, tradução: Alexander Whyte.)
Fui confrontado com
algumas dúvidas de um cantor que participou da criação de um coro, no qual
despendeu um bocado de energia para sua efetivação. Após um ano, os propósitos
iniciais do conjunto se modificaram, tanto nos objetivos quanto na sua maneira
de se apresentar, fazendo com que essa pessoa se afastasse, desgostoso, daquele
trabalho. Claro que as suas dúvidas se relacionavam às perguntas básicas de um
término de relacionamento: deveria ter persistido? Deve buscar outro grupo? Começar
outro grupo? E eu acrescento outras dúvidas: o que leva à formação de um grupo
coral? O que pode ser pensado para que a perpetuação deste conjunto aconteça? É
lícito pensar nas individualidades quando o que se pretende é um objetivo
coletivo?
Pois bem, não
poderia fugir da consideração de que um coro e seus objetivos podem estar
ligados a interesses institucionais ou individuais, e a aglomeração de pessoas
para a sua realização depende da credibilidade na possibilidade de o trabalho
frutificar. Vários são os elementos que impulsionam indivíduos em compartilhar
seu tempo em benefício de uma produção coletiva: o repertório, o lazer
proporcionado, o engrandecimento cultural a partir do conhecimento de uma nova
linguagem, o desenvolvimento vocal ou, até mesmo, uma melhoria da saúde mental
e espiritual. No entanto, acredito que uma boa parcela do sucesso de um grupo
coral se encontre na boa escolha daquele que liderará essa micro-sociedade. Sim,
o regente. O Maestro.
Digamos que seja
mais fácil observarmos essa afirmação em conjuntos independentes. Não será
senão pela crença de que um determinado repertório, seja popular ou erudito,
criará o interesse para que as pessoas se aproximem e trabalhem na elaboração
daquele. Isso porque não é concebível pensarmos que um coro se formará para não
se apresentar. Para muitas pessoas, falar em público é algo extremamente
difícil. O que não dizer do “cantar em público”. Por outro lado, dividindo com
outros a difícil tarefa do enfretamento, é perfeitamente possível realizar isso
que para muitos é uma verdadeira realização de vida.
Mas o que
acontece quando um maestro, por força de pressões institucionais ou de uma
maioria de grupo é obrigado a modificar uma estrutura de repertório para,
digamos, atingir um público específico? Ou um público maior? Continuariam as
mesmas pessoas dispostas a abrirem mão de uma preferência pessoal em benefício
do conjunto iniciado? O que fazer?
Me recordo de
minhas pesquisas relacionadas ao Madrigal Renascentista, para não falar
puramente de minhas experiências pessoais. A ideia inicial era realizar um
repertório puramente renascentista, o que foi motivo da união dos seus jovens
cantores formadores. Para atender uma demanda maior do cenário
belo-horizontino, adaptaram seu repertório para que divulgasse tanto os novos
repertórios, ainda que buscando obras num passado desconhecido, e obras
brasileiras, fossem elas arranjos folclóricos ou composições originais. Um
objetivo foi estabelecido e mantido, mas eu penso que o que determinou a
continuidade e sucesso daquele grupo foi a confiança plena que os cantores
depositavam no seu líder, Isaac Karabtchevsky.
Posto isso, há
que considerar a tristeza daqueles que apostam num trabalho e depois são
obrigados a não mais segui-lo porque seus fundamentos foram modificados. Mas,
se um grupo se estabelece numa formação, ele tem que ser coerente com suas
ideias. Transformações em coro são normais e dependem da natureza que o cerca,
havendo um repertório imenso pronto para ser trabalhado e cantado. O que não
pode haver são espaços para individualidade antes do coletivo.
Aos solistas o
lugar de solistas. Aos coristas, o lugar de corista. E ai daquele que exaltar
um em detrimento do outro (pelo menos próximo de mim).
Atentem-se que o
título desse post se refere ao Madrigal Renascentista, e não ao Madrigale. Ao
longo dos últimos 4 anos, desenvolvi a minha tese de doutorado baseada na
formação e desenvolvimento desse que foi o decano dos coros de câmara
brasileiros (pelo menos daqueles que foram reconhecidos como modelos de
excelência e referencial a ser seguido).
O conjunto foi
considerado o melhor coro do Brasil, nas décadas de 1950 e 1960, época em que
foi dirigido por Isaac Karabtchevsky. Apresentou-se oficialmente em várias
cerimônias dos governos municipal, estadual e federal, além de exercer uma
função de embaixador cultural em mais de uma viagem ao exterior.
Para
disponibilizar o pouco material fonográfico que chegou até nós, criei um canal
no Youtube, no qual as peças estão disponibilizadas para audição. Convido-os a
ouvirem esse belo coro e peço que divulguem o endereço.
Já
que falei sobre orfeão e canto orfeônico num post passado, retorno ao tema de
maneira mais direta. Faço isto porque algumas pessoas me perguntaram se havia
relação entre uma coisa e outra e o que era o canto orfeônico proposto por
Heitor Villa-Lobos. Vamos lá:
A ideia do canto
orfeônico surgiu na França, no século XIX, e consistia na formação de pequenos
grupos a cappella (sem acompanhamento instrumental), sendo que esta
prática se distinguia do coral tradicional devido a seu caráter simples e
desprovido de senso estético. No Brasil, o orfeão sempre esteve ligado à imagem
de Villa-Lobos, no entanto, no início do século XX, músicos como João Gomes
Júnior, Fabiano Lozano e João Batista Julião realizaram importantes trabalhos
de formação de orfeões em São Paulo. Em 1932, Villa-Lobos assumiu a direção da
Superintendência da Educação Musical e Artística (SEMA) das Escolas Públicas do
Rio de Janeiro, criando o Curso de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de
Música e Canto Orfeônico. Esse curso, que tinha por objetivo estudar a música
nos seus aspectos técnicos, sociais e artísticos, era dotado de um currículo
extenso: canto orfeônico, regência, orientação prática, análise harmônica,
teoria aplicada, solfejo e ditado, ritmo, técnica vocal e fisiologia da voz,
matérias às quais foram acrescidas as disciplinas de história da música,
estética musical, e, pela primeira vez no Brasil, etnografia e folclore.
O sucesso da SEMA
e das atividades decorrentes resultaram na formação do Conservatório Nacional
de Canto Orfeônico, em 1942, que se propunha a criar um centro de estudos de
educadores musicais de alto nível. O Conservatório teria incumbência não só de
formar professores, como também orientar e fiscalizar todas as iniciativas do
canto orfeônico no país inteiro. Dirigido por Villa-Lobos, o projeto
objetivava não só criar e difundir uma metodologia de educação musical própria,
mas também visava à formação de um repertório adequado ao Brasil, além de
promover a capacitação de um corpo docente especializado, baseado
principalmente no folclore nacional e tendo como intuito básico a preservação
dos valores culturais do povo.
É possível
afirmarmos que a vinculação que se estabeleceu com o governo totalitário da
época, evidente devido à forte associação instalada entre música, disciplina e
civismo, fez com que o modelo de canto coletivo proposto pelos orfeões fosse
naturalmente visto como uma disciplina obrigatória institucionalizada, não
sendo cultivada para além dos cursos realizados em instituições. Isto porque o
canto orfeônico revelou-se uma excelente forma de propaganda do governo de
Getúlio Vargas, e é frequente a crítica de que o trabalho pedagógico de
Villa-Lobos estava a serviço de uma causa política e não educacional. Nem todos,
entretanto, concordam com este ponto de vista; os partidários dessa visão
julgam que o comprometimento do compositor com a ditadura Vargas foi apenas uma
circunstância favorável aos seus objetivos musicais e que o aspecto
propagandístico e cívico não mereceria maior importância. [1]
Observando a
trajetória de vida do compositor carioca, nos parece acertado esse último ponto
de vista, pois seus posicionamentos estéticos, e arriscamos dizer também os
políticos, estavam muito mais de acordo com o propósito de ter sucesso e ganhar
notoriedade do que com convicções artísticas. Basta lembrarmos que, ao
participar como músico vanguardista na Semana de Arte Moderna de 1922,
Villa-Lobos em nenhum momento se posicionou como um músico preocupado com as
novas tendências modernas referentes à música, mas tinha um interesse precípuo
de divulgar as suas obras recém-compostas. Além disso, podemos recordar de suas
fantasiosas histórias, que por vezes o colocaram em ambientes inóspitos, como o
Rio Amazonas, sem que ele jamais tenha realizado tal viagem, ou de suas
pretensões de ser reconhecido como um musicólogo especializado em coleta de
melodias folclóricas, quando sua principal fonte era um livro de anotações do
historiador Roquete Pinto. De qualquer forma, à parte a seriedade (ou ausência
dela) do posicionamento político de Villa-Lobos, não há como negar a
importância do canto orfeônico no Brasil e, ainda, a colossal contribuição do
compositor à nossa música.
Estive ontem, bem
acompanhado, assistindo ao concerto da Orquestra Ouro Preto executando um
programa completamente dedicado a trilhas sonoras de filmes. Um duplo prazer,
começando pela seleção de peças e trilhas. De extremo bom gosto. Mas me
concentro no segundo prazer: a performance da orquestra.
Há anos conheço a
Orquestra e seu maestro, Rodrigo Toffolo. Já tive o prazer de conduzir a mesma,
em programas diversos e sempre com uma atenção e qualidades profissionais. Mas
me encantei, já que não ouvia o grupo há um certo tempo, com a sonoridade e com
a consistência de grupo já alcançada por essa jovem orquestra. Sim! Jovem
porque tem apenas quinze anos, o que não é muito em um grupo artístico. Tal
qual um indivíduo humano, os anos contam no processo de afirmação e
amadurecimento coletivo.
Como é bom
observar o amadurecimento daqueles que nós conhecemos jovens, no início de sua
carreira musical. Vários dos músicos da Orquestra eu conheci em tenra idade, nas dúvidas da
escolha por uma carreira musical. Mas vale a atenção, sobretudo, ao talentoso e
dinâmico Rodrigo Toffolo. Maestro, violinista, pesquisador, mestre em
musicologia e doutorando em Ciências Musicais, sem dúvida, predicados que o
credenciam a ser o que foi no dia de ontem, um enternainer, na melhor acepção da palavra, capaz de emocionar,
alegrar, entusiasmar e musicalizar uma plateia ávida do repertório e do belo
som da Orquestra.
(Uma pausa para
reforçar o que muito foi dito ao longo do concerto: palmas para o talento do
jovem compositor residente do conjunto: Mateus Freire. Nos dizeres do maestro:
apaixonado e inspirador em seus arranjos.)
Que venham
programas, trilhas, gravações, projetos e sucessos. Eles são muito bons. E são
dali de Ouro Preto, Minas Gerais. Bravo!!!
Pouco se pensa
que um coro, como uma orquestra, é montado e construído segundo uma especificidade
que pode estar relacionada com a sua ligação com uma instituição e/ou sua
função dentro de uma comunidade, grande ou pequena.
Coros
direcionados para segmentos musicais específicos diferem, e esta diferença não
acontece basicamente na formação do coro, mas no caráter estabelecido para cada
um de acordo com a sua funcionalidade. Os coros especialistas em repertório
operístico, por exemplo, cantam atuando, o que exige uma formação técnica mais
elaborada por parte de seus integrantes que, de um modo geral são cantores
profissionais, com formação em bel canto e
desenvolvimento em cena teatral. Além disso, exige-se dos cantores uma boa
projeção de voz, para teatros e palcos amplos, e uma capacidade de alcançar uma
sonoridade uniforme, em que nenhuma voz sobressaia. Os integrantes podem atuar
como solistas ou coadjuvantes dentro da obra sendo executada e, via de regra,
trata-se de conjuntos com um número elevado de cantores (de 60 a 100 pessoas).
Como outro
exemplo, os coros sacros têm um papel estritamente funcional, pois existem
enquanto associados a uma instituição religiosa, cantando preferencialmente, ou
exclusivamente, música sacra e religiosa. Sua participação em cultos, com
função litúrgica, é seu objetivo principal e isso determina seu repertório e a
forma de cantá-lo. Numa celebração religiosa, a música não é o mais importante,
tendo um caráter subsidiário ao serviço ritual; o peso do texto habitualmente
se sobrepõe ao desenvolvimento melódico e rítmico; além disso, os cantos não
precisam ser harmonizados, podendo ser cantados em uníssono.[1]Quase nunca os cantores de coros são profissionais, sendo que sua formação musical
pode muitas vezes acontecer ao longo de sua experiência no próprio coro, o qual
normalmente tem mais flexibilidade em relação aos integrantes que nem sempre
são fixos ou regulares.
Os coros de
câmara, talvez o segmento mais comum no Brasil, são conjuntos menores, com um
número que varia de 15 a 40 cantores, que interpretam obras destinadas ao
instrumento coral. Isso significa que eles se voltam para peças que foram
compostas especialmente para um grupo de vozes geralmente mistas – homens e
mulheres – que cantam simultaneamente melodias distintas e que exploram a
diversidade das possibilidades de emissão do som pelo ser humano (não se
limitando, portanto, ao canto, mas incluindo ruídos, gestos e percussão
corporal). Em linhas gerais, entre os homens, as vozes variam do baixo,
registro mais grave, ao tenor, mais agudo; os timbres femininos se dividem, grosso modo,em soprano (agudo) e contralto (grave). Naturalmente há vozes em
posições intermediárias, meio-sopranos e barítonos. O repertório dos coros de
câmara é executado quase sempre a cappella,
ou seja, sem acompanhamento instrumental. Caracterizam-se pela não
funcionalidade e por isso são variáveis com relação ao repertório que
interpretam. A qualidade do conjunto, bem como a elaboração do repertório
desenvolvido por ele, está diretamente associada à qualidade dos cantores que
compõem o coro, sendo tanto melhor quanto mais cantores com formação musical e
de canto o compuserem.
Continuo ainda...
[1]
Vale dizer que essa é uma realidade brasileira, pois, em diversos países da
Europa, em que é comum a formação musical básica ser oferecida em idade
escolar, é possível ver os fiéis cantando acompanhando partituras e seguindo a
melodia mais compatível com o seu tipo de voz (grave ou aguda). O uníssono é
marcado pela execução de uma mesma melodia por todos os executantes, variando,
no máximo, a oitava, de forma que a textura do som seja homogênea como se
houvesse uma única voz.
Neste e nos
próximos posts vou falar um pouco
sobre canto coral. Isso se faz necessário porque nos nossos dias a palavra
coral, ou coro, se tornou algo muito subjetivo, sendo qualquer agrupamento de
pessoas que cantam em torno de uma mesa chamado de coro. Não pode ser assim e
eu vou explicar o porquê. Começarei pela diferenciação entre um orfeão (palavra
desconhecida de muitos) e coro. Vamos lá:
Devemos entender
um coro como uma organização capaz de desenvolver um repertório que o diferencie
de um simples agrupamento de cantantes, que com um pouco de formação poderiam
ser chamados de orfeões. Segundo Ricardo Goldemberg, professor de Artes: "O orfeão tem características próprias que o
distinguem do canto coral dos conjuntos eruditos. Trata-se de uma prática da
coletividade em que se organizam conjuntos heterogêneos de vozes e tamanho
muito variável. Nesses grupos não se exige conhecimento musical ou treinamento
vocal dos seus participantes. Por outro lado, o canto coral erudito exige não
só conhecimento musical e habilidade vocal, como também vozes rigorosamente
distribuídas e um rigor técnico-interpretativo mais elevado."[1]
Observamos,
contudo, que seria mais interessante uma comparação entre “orfeão” e “coro” do
que opor ao primeiro a expressão “canto coral”, que, por si, define e engloba
os dois. No meu entendimento, “canto coral” é qualquer agrupamento de cantores
que cantam em vozes diferentes e que obtêm um resultado sonoro interdependente
a partir da combinação das melodias, dos sons. No nosso tempo, a
vulgarização do termo e a ausência de educação musical sistemática dos públicos
permitem considerar qualquer agrupamento que cante, seja em uníssono ou não,
afinado ou não, organizado ou não, como um “coral”. De forma análoga, uma
torcida de futebol pode ser entendida como um “coral de vozes” se observarmos
sua composição de múltiplas vozes – mesmo cantando em uníssono –, o repertório
definido e a condução/regência realizada por um chefe de torcida, normalmente.
Musicalmente
falando, no entanto, uma torcida de futebol estaria mais de acordo com o
conceito que os músicos têm de orfeões (canto orfeônico) do que de coro. Um
coro pressupõe um “rigor técnico-interpretativo mais elevado”, pois se organiza
buscando um aprimoramento de vozes que permitam uma execução mais elaborada
(com nuances várias de intensidade, velocidade, caráter) de repertórios
específicos ou diversos. Através do trabalho de um regente/maestro, e não de um
professor de música que tenta extrair de um conjunto de iniciantes heterogêneo
quanto a aptidões e capacidades musicais um resultado razoável que lhes confira
características de um coletivo, a condução é mais voltada para uma concepção
artística do que educacional, o que não exclui uma da outra. Com efeito, o
hábito de cantar em conjunto, mesmo que as exigências estéticas sejam bastante
moderadas, tem o efeito disciplinador de estimular a escuta do outro, a
interação social e o equilíbrio entre os indivíduos em prol do grupo.
Minha intenção era não mais falar sobre o
Requiem, mas me atentei que várias pessoas não têm acesso ao Facebook ou Instagram, as duas ferramentas em que foram divulgadas fotos e vídeos do
concerto. Resolvi, dessa forma, postar algumas imagens e o link para um vídeo
de noticiário local. Foi uma noite especial e que ficará na nossa memória por
um bom tempo.
Indaiara Patrocínio - solista soprano
Concentração
Patrícia Cardoso Chaves - solista contralto
Em ação
Kyrie eleison
Dies irae
Firmeza
Iluminados
Werner Silveira - o tímpano que movimenta o Requiem