quarta-feira, 11 de novembro de 2015

E já que falei em Canto Orfeônico

Olá a todos. 
Já que falei sobre orfeão e canto orfeônico num post passado, retorno ao tema de maneira mais direta. Faço isto porque algumas pessoas me perguntaram se havia relação entre uma coisa e outra e o que era o canto orfeônico proposto por Heitor Villa-Lobos. Vamos lá:

A ideia do canto orfeônico surgiu na França, no século XIX, e consistia na formação de pequenos grupos a cappella (sem acompanhamento instrumental), sendo que esta prática se distinguia do coral tradicional devido a seu caráter simples e desprovido de senso estético. No Brasil, o orfeão sempre esteve ligado à imagem de Villa-Lobos, no entanto, no início do século XX, músicos como João Gomes Júnior, Fabiano Lozano e João Batista Julião realizaram importantes trabalhos de formação de orfeões em São Paulo. Em 1932, Villa-Lobos assumiu a direção da Superintendência da Educação Musical e Artística (SEMA) das Escolas Públicas do Rio de Janeiro, criando o Curso de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e Canto Orfeônico. Esse curso, que tinha por objetivo estudar a música nos seus aspectos técnicos, sociais e artísticos, era dotado de um currículo extenso: canto orfeônico, regência, orientação prática, análise harmônica, teoria aplicada, solfejo e ditado, ritmo, técnica vocal e fisiologia da voz, matérias às quais foram acrescidas as disciplinas de história da música, estética musical, e, pela primeira vez no Brasil, etnografia e folclore.

O sucesso da SEMA e das atividades decorrentes resultaram na formação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, em 1942, que se propunha a criar um centro de estudos de educadores musicais de alto nível. O Conservatório teria incumbência não só de formar professores, como também orientar e fiscalizar todas as iniciativas do canto orfeônico no país inteiro. Dirigido por Villa-Lobos, o projeto objetivava não só criar e difundir uma metodologia de educação musical própria, mas também visava à formação de um repertório adequado ao Brasil, além de promover a capacitação de um corpo docente especializado, baseado principalmente no folclore nacional e tendo como intuito básico a preservação dos valores culturais do povo.

É possível afirmarmos que a vinculação que se estabeleceu com o governo totalitário da época, evidente devido à forte associação instalada entre música, disciplina e civismo, fez com que o modelo de canto coletivo proposto pelos orfeões fosse naturalmente visto como uma disciplina obrigatória institucionalizada, não sendo cultivada para além dos cursos realizados em instituições. Isto porque o canto orfeônico revelou-se uma excelente forma de propaganda do governo de Getúlio Vargas, e é frequente a crítica de que o trabalho pedagógico de Villa-Lobos estava a serviço de uma causa política e não educacional. Nem todos, entretanto, concordam com este ponto de vista; os partidários dessa visão julgam que o comprometimento do compositor com a ditadura Vargas foi apenas uma circunstância favorável aos seus objetivos musicais e que o aspecto propagandístico e cívico não mereceria maior importância. [1]

Observando a trajetória de vida do compositor carioca, nos parece acertado esse último ponto de vista, pois seus posicionamentos estéticos, e arriscamos dizer também os políticos, estavam muito mais de acordo com o propósito de ter sucesso e ganhar notoriedade do que com convicções artísticas. Basta lembrarmos que, ao participar como músico vanguardista na Semana de Arte Moderna de 1922, Villa-Lobos em nenhum momento se posicionou como um músico preocupado com as novas tendências modernas referentes à música, mas tinha um interesse precípuo de divulgar as suas obras recém-compostas. Além disso, podemos recordar de suas fantasiosas histórias, que por vezes o colocaram em ambientes inóspitos, como o Rio Amazonas, sem que ele jamais tenha realizado tal viagem, ou de suas pretensões de ser reconhecido como um musicólogo especializado em coleta de melodias folclóricas, quando sua principal fonte era um livro de anotações do historiador Roquete Pinto. De qualquer forma, à parte a seriedade (ou ausência dela) do posicionamento político de Villa-Lobos, não há como negar a importância do canto orfeônico no Brasil e, ainda, a colossal contribuição do compositor à nossa música.

[1]  GOLDEMBERG, Ricardo. Educação musical: a experiência do canto orfeônico no Brasil. Disponível em http://www.samba-choro.com.br/print/debates/1033405862/index_html. Acessado em: 9/06/2012.


Villa-Lobos dirigindo Canto Orfeônico em 1942.

Aula de canto orfeônico na década de 1930



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