Olá a todos.
Já
que falei sobre orfeão e canto orfeônico num post passado, retorno ao tema de
maneira mais direta. Faço isto porque algumas pessoas me perguntaram se havia
relação entre uma coisa e outra e o que era o canto orfeônico proposto por
Heitor Villa-Lobos. Vamos lá:
A ideia do canto
orfeônico surgiu na França, no século XIX, e consistia na formação de pequenos
grupos a cappella (sem acompanhamento instrumental), sendo que esta
prática se distinguia do coral tradicional devido a seu caráter simples e
desprovido de senso estético. No Brasil, o orfeão sempre esteve ligado à imagem
de Villa-Lobos, no entanto, no início do século XX, músicos como João Gomes
Júnior, Fabiano Lozano e João Batista Julião realizaram importantes trabalhos
de formação de orfeões em São Paulo. Em 1932, Villa-Lobos assumiu a direção da
Superintendência da Educação Musical e Artística (SEMA) das Escolas Públicas do
Rio de Janeiro, criando o Curso de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de
Música e Canto Orfeônico. Esse curso, que tinha por objetivo estudar a música
nos seus aspectos técnicos, sociais e artísticos, era dotado de um currículo
extenso: canto orfeônico, regência, orientação prática, análise harmônica,
teoria aplicada, solfejo e ditado, ritmo, técnica vocal e fisiologia da voz,
matérias às quais foram acrescidas as disciplinas de história da música,
estética musical, e, pela primeira vez no Brasil, etnografia e folclore.
O sucesso da SEMA
e das atividades decorrentes resultaram na formação do Conservatório Nacional
de Canto Orfeônico, em 1942, que se propunha a criar um centro de estudos de
educadores musicais de alto nível. O Conservatório teria incumbência não só de
formar professores, como também orientar e fiscalizar todas as iniciativas do
canto orfeônico no país inteiro. Dirigido por Villa-Lobos, o projeto
objetivava não só criar e difundir uma metodologia de educação musical própria,
mas também visava à formação de um repertório adequado ao Brasil, além de
promover a capacitação de um corpo docente especializado, baseado
principalmente no folclore nacional e tendo como intuito básico a preservação
dos valores culturais do povo.
É possível
afirmarmos que a vinculação que se estabeleceu com o governo totalitário da
época, evidente devido à forte associação instalada entre música, disciplina e
civismo, fez com que o modelo de canto coletivo proposto pelos orfeões fosse
naturalmente visto como uma disciplina obrigatória institucionalizada, não
sendo cultivada para além dos cursos realizados em instituições. Isto porque o
canto orfeônico revelou-se uma excelente forma de propaganda do governo de
Getúlio Vargas, e é frequente a crítica de que o trabalho pedagógico de
Villa-Lobos estava a serviço de uma causa política e não educacional. Nem todos,
entretanto, concordam com este ponto de vista; os partidários dessa visão
julgam que o comprometimento do compositor com a ditadura Vargas foi apenas uma
circunstância favorável aos seus objetivos musicais e que o aspecto
propagandístico e cívico não mereceria maior importância. [1]
Observando a
trajetória de vida do compositor carioca, nos parece acertado esse último ponto
de vista, pois seus posicionamentos estéticos, e arriscamos dizer também os
políticos, estavam muito mais de acordo com o propósito de ter sucesso e ganhar
notoriedade do que com convicções artísticas. Basta lembrarmos que, ao
participar como músico vanguardista na Semana de Arte Moderna de 1922,
Villa-Lobos em nenhum momento se posicionou como um músico preocupado com as
novas tendências modernas referentes à música, mas tinha um interesse precípuo
de divulgar as suas obras recém-compostas. Além disso, podemos recordar de suas
fantasiosas histórias, que por vezes o colocaram em ambientes inóspitos, como o
Rio Amazonas, sem que ele jamais tenha realizado tal viagem, ou de suas
pretensões de ser reconhecido como um musicólogo especializado em coleta de
melodias folclóricas, quando sua principal fonte era um livro de anotações do
historiador Roquete Pinto. De qualquer forma, à parte a seriedade (ou ausência
dela) do posicionamento político de Villa-Lobos, não há como negar a
importância do canto orfeônico no Brasil e, ainda, a colossal contribuição do
compositor à nossa música.
[1] GOLDEMBERG, Ricardo. Educação musical: a
experiência do canto orfeônico no Brasil. Disponível em http://www.samba-choro.com.br/print/debates/1033405862/index_html.
Acessado em: 9/06/2012.
Villa-Lobos dirigindo Canto Orfeônico em 1942. |
Aula de canto orfeônico na década de 1930 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário