O compositor, regente e cantor canadense
Larry Nickel escreveu, em 2015, a peça I
Cannot Dance para ser estreada pelo Salt Lake Vocal Artists. A obra
impressiona pela maneira como explora os registros vocais sem estressá-los, o
que é marca daqueles que sabem escrever bem para o instrumento coral.
Mais de uma vez, escrevi sobre esse
impressionante coro e seu diretor, o maestro Brady Allred. Além de se
apresentar em várias partes dos Estados Unidos, realizam regulares turnês à
Europa, onde apresentam novas obras do repertório coral.
Também, muitas vezes ao me referir ao
Salt Lake Vocal Artists, chamo a atenção ao posicionamento ideal dos microfones
para a gravação de coros. Observem a sonoridade plena captada.
Não podia ter sido melhor o início da
temporada de apresentações do Coral BDMG, abrilhantada pela participação
especial dos Corais: Copasa, Melodia e São Tiago.
Um retorno ao coreto, lugar correto para
apresentações musicais na praça.
Descobri que vários alunos dos cursos
superiores de música não sabem cantar o Hino Nacional Brasileiro. Como assim,
não sabem cantar o Hino? Isso mesmo. Não sabem. (Estou reafirmando porque esse
“óbvio” é extensível a vários que estão lendo este post, pois sei que muitos
também não sabem)
Lá pelos idos de 1970, 1980, a gente era
obrigado a aprender utilizando a contracapa dos cadernos escolares. Lembram-se?
A gente não podia errar. É certo que não entendíamos nada do “se o penhor dessa
igualdade” ou “o lábaro que ostentas”, mas a gente tinha que fazer certinho.
Aí vieram os 1990 e 2000 e o glorioso
ficou démodé. Os novos passaram a
acreditar que não valia a pena aprender aquela música enorme, com aquele texto
maior ainda e sem sentido nenhum. “Não nos diz nada”, dizem até hoje. E talvez
vários que estão lendo vão confirmar esse pensamento.
Então, que venha o pensamento do músico
professor. Meus caros, essa música continua sendo ensinada pelo Brasil a fora,
por muitos que não sabem cantar direito, nem explicam do que se trata. Dessa
mesma forma, várias outras músicas são ensinadas, sem um devido respeito à
partitura, ao texto, à afinação, à dinâmica, etc. E entendam que esses alunos
são futuros professores que terão que ensinar como se faz.
Para que os novos aprendam a estudar uma
partitura e ensiná-la direito, me propus a trabalhar com eles o Hino Nacional
completinho. Será um modelo para o processo de aprendizado de partitura. Daqui
a algumas semanas, cantarão para toda a Escola de Música, de cor. E para que
provem que sabem fazer mesmo, o regente será um aluno argentino que é da mesma
turma. Filmarei e mostrarei a todos. Aguardem.
Noutro dia, ouvi um jovem músico
dizendo: estou desanimado. Já estudei tanto e não consigo nada na minha área.
Quanto anos tem o mancebo? 18.... e por
isso aqui reflito:
Sou de um tempo (ah! Em outros tempos eu
achava que jamais diria isso) em que nós, alunos músicos, lutávamos para,
simplesmente, frequentar a aula, ou participar do trabalho do professor X, ou
Y.
Sou de um tempo em que o aprendizado era
visto como essencial para uma escalada numa profissão ainda tida como supérflua
e excêntrica.
Sou de um tempo em que a paixão pela
música nos movia de uma maneira tal que enfrentávamos o mundo inteiro para
sermos aceitos como respeitáveis dentro da profissão que escolhemos. Tínhamos
que merecer um lugar junto a um conjunto de músicos que, para nós, eram o
supra-sumo de um conhecimento e que almejávamos, um dia, chegarmos perto do que
eles eram e significavam.
Ah! Mas os tempos são outros. Passados.
E hoje, que poderíamos nos considerar herdeiros daquela geração que nos preparou,
nos vemos no meio de uma nova geração que, por si só, são músicos qualificados
e que assumem o mercado de uma maneira voraz e impura. Impura porque,
despreparados, se julgam capazes de serem marqueteiros, propagandistas,
administradores e... músicos.
Chamam-nos de camaradas, colegas, e se
dizem muito bons no que fazem (e são mesmo). Mas se esquecem de que os
maravilhosos cachês de um começo não significam muito numa trajetória musical,
e aí eu vejo vários caindo pelo caminho, sem perspectiva, sem objetivo. Seria
isso porque se esqueceram da paixão que os impulsionou a seguir o caminho da
música? Ou seria um modismo de produção de “artistas” no nosso tempo. Meu
Deus!!! Como temos artistas nesse nosso tempo!!!
Magnani fazia uma distinção entre um
instrumentista e um músico. Para ele a diferença entre um e outro estava na
busca constante, por parte do segundo, de uma formação intelectual, humana e
espiritual, que possibilitasse a ele uma compreensão do universo musical, e que
o tornasse independente de outro músico (professor) na elaboração do discurso
musical. A música para além da técnica. A técnica a serviço da música, e do que
de melhor se pode buscar nela.
Ser instrumentista é relativamente fácil
comparado com o ser músico, e aqui, só quem é músico sabe do que estou falando.
Mas, como algo inerente à juventude, paciência é uma palavra que está cada vez
menos na mente, e no coração, daqueles que escolheram uma profissão
extremamente difícil e que exige um aprimoramento diário, para além das escalas
e arpejos.
Jovens, vocês que começam, sigam um
conselho precioso: na nossa profissão é necessário termos sabedoria.
Acalmem-se. Progridam. Amadureçam. Tenham paciência. Aprimorem-se tecnicamente,
mas aguardem um amadurecimento que só vem com o tempo e com muito, muito
estudo. Vocês querem tudo muito rápido e não é assim que se faz música.
Você que tem os seus 18 anos, acalme-se,
pois não falta muito. Quem sabe aos 78 tudo se resolve? Ou na próxima
encarnação? Tenha calma.
E lá se vão 22 anos que o Coral BDMG
promove esse evento de importância para o cenário da música coral: o 4 Cantos –
Coral na Praça. Comigo, são 12 anos.
A fórmula é simples: de abril a
setembro, por causa do período de chuvas, outros três corais se juntam ao BDMG
para uma noite de canto coral na Praça da Liberdade. 4 Corais, 4 peças musicais
de cada um. E ao longo desses vários anos, vários grandes grupos se apresentaram,
grandes maestros e solistas, pianistas acompanhadores. Mas também, lá vimos
surgir novos grupos, pois foram muitos que no projeto fizeram a sua primeira
apresentação. E também novos regentes, que hoje já não são jovens se
analisarmos a idade do evento.
Nem sempre aconteceu na Praça da
Liberdade, pois em alguns anos ela esteve fechada para reformas. E a Praça da
Assembléia e a Basílica de Lourdes nos ajudaram no intermezzo. Mas sempre ali
no entorno, chamando a atenção para a bela praça e seu belo coreto.
E para mais um ano de corais na praça,
lá estaremos no dia 07 de abril, às 19:30. Venham nos prestigiar!!!
Bons cantores, bons arranjos, bom
equipamento de gravação e, sem esquecer, um bom engenheiro de gravação. Que
resultado se pode ter de uma boa combinação?
Que tal ouvir The Magic of Voices nesse fim de semana e se embevecer um pouco com
suas versões de peças musicais da Disney?
Evito emitir opiniões sobre os concursos
vocais tão em voga na TV brasileira, pois não acredito, sinceramente, na
completa integridade dos mesmos. Na verdade, entendo que em todas as partes do
mundo o show business tem que fazer
valer o investimento dos muitos patrocinadores e proporcionar um espetáculo que
prenda as pessoas em casa à noite (ou nas tardes de domingo). No entanto, é
possível observar que os “The Voices”, ou “The Choirs”, são diferentes onde há
uma tradição que valoriza o trabalho vocal em conjunto.
Um exemplo? Vamos lá. Que tal a final de
uma competição na Austrália? Os coros finalistas se unem na interpretação de Bohemian Rhapsody.
Mas, aqui vai um post no estilo “síndrome
de vira-lata”? Negativo. Meu trabalho é melhorar e incentivar a formação e
capacitação de grupos corais. Viso o futuro, e estamos melhorando. Certo?
Amanhã, dia 29 de março, teremos o
Requiem de Verdi aqui em Belo Horizonte, no Palácio das Artes. E eu estarei lá,
não para apreciar o som da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, que eu gosto
muito, nem do Coro Lírico, tão bem trabalhado pelo Maestro Lincoln Andrade, mas
para assistir à combinação dos dois, além dos solistas, nas mãos do Maestro
Sílvio Viegas, esse bom filho que retorna aos palcos mineiros, trazendo, além
da esperança de novos e brilhantes sons, a experiência adquirida em outras
casas, através de orquestras e coros.
Talvez alguns não entendam o por que da
escolha de um Requiem, por parte do maestro, para uma estréia, já que se
poderia esperar obras musicais de caráter brilhante e apoteótico. Mas, para
mim, nada seria mais natural. Conheço o maestro desde os tempos de escola, e se
uma palavra resume bem Sílvio, essa palavra é dedicação. Dedicação à música
partindo do que há de mais essencial nela.
E, mais uma vez, por que o Requiem?
Porque significa muito para aqueles que tiveram na sua formação o Senhor
Magnani, figura da qual falo tanto. Na minha humilde visão, não se trata apenas
de uma homenagem, mas também da afirmação perante uma sociedade, leiga e
musical, que uma lição foi aprendida e apreendida. Assisti um pequeno vídeo
promocional do concerto, na última semana, que me trouxe um sorriso aos lábios.
Lá, o maestro dizia ser o Requiem uma obra acima de tudo humana. Ah!!! Frescor
de palavras humanistas de um músico que sempre amou o universo operístico, mas
que entende na obra de Verdi um testamento maior de um compositor de gênero que
soube trazer ao mundo, através de um texto essencialmente sacro, uma ópera na
melhor concepção de oratório. Impossível ouvir o Requiem sem imaginar as cenas
da Divina Comédia, de Dante Alighieri, trazidas ao palco pelo compositor
italiano. E quem lhe ensinou isso? Um outro italiano.
Feliz e torcendo muito, eu digo: Vá lá,
Sílvio! Mostre-nos estas cenas todas, tão repletas de uma profundidade humana
que entende a música como uma extensão de paixões intensas e cheias de esplendor.
Cenas de um compositor que se dizia anti-religioso, mas que era, acima de tudo,
capaz de se emocionar com a morte de Manzoni e não conseguir, a não ser através
de um Requiem, mostrar o tamanho de sua emoção acerca da perda. E que, além
disso, essa obra musical abra os caminhos para uma temporada especial e uma seqüência
de trabalho profícua e sincera.
E que o melhor sorriso de Magnani lhe diga:
SALVE, SÍLVIO!!!
Espero que este passeio pela Paixão
segundo São João tenha sido, em primeiro lugar, um bom motivo para a ampliação
do conhecimento das obras deste grande mestre, e, em segundo lugar, uma
preparação para a vivência deste momento de reflexão íntima, que é a Semana
Santa e, especificamente, a Sexta-Feira da Paixão.
Que a reflexão sobre o motivo do
sacrifício conduza a todos a uma excelente Páscoa.
ARIA (soprano): Funde-te, coração meu,
em rios de lágrimas, em honra do Altíssimo!
Proclama ao mundo e ao céu a tua
desgraça: Morto estás Tu Jesus!
EVANGELISTA: Então, os judeus, como era
a véspera da Páscoa, para que os corpos não ficassem sábado nas cruzes (pois
esse sábado era uma festividade grande), pediram a Pilatos que quebrassem as
pernas dos mesmos e que os corpos fossem retirados. Vieram, então, os soldados
e quebraram as pernas do primeiro e depois do outro que tinha sido crucificado com
ele. Mas, quando chegaram a Jesus, ao ver que estava já morto, não lhe
quebraram as pernas, mas um dos soldados trapassou o seu peito com uma lança, e
imediatamente saiu sangue e água. Quem o viu, assim o declarou, e o seu
testemunho é verídico; sabe que diz a verdade para que assim o creais. Estas
coisas sucederam para que se cumprissem as Escrituras: “não serão quebradas as
suas pernas”. E também as Escrituras dizem: “Eles verão quem traspassaram”.
CHORAL: Socorre-nos, Cristo, Filho de
Deus, pelos teus amargos sofrimentos, para que, submetidos sempre a ti,
evitemos qualquer má ação; reconhecendo fecunda a tua morte e a sua razão,
ainda que pobres e débeis, oferecemo-te os nossos sacrifícios.
EVANGELISTA: Depois disto, José de
Arimatéia, que era discípulo de Jesus (mas em segredo, por temos aos judeus),
rogou a Pilatos que o deixasse levar o corpo de Jesus. E Pilatos o permitiu.
Então, veio e levou o corpo de Jesus. Foi também com ele Nicodemus, que antes,
de noite, tinha visitado Jesus, levando-lhe umas cem libras de mirra e ales
misturados. Pegaram o corpo de Jesus e envolveram-no com lençóis perfumados,
como os judeus costumavam fazer para enterrar. Junto do lugar onde foi
crucificado havia um horto e nele um sepulcro novo, em que ninguém tinha ainda
sido enterrado. Nele colocaram, pois, Jesus, por ser dia de preparação dos
judeus, já que se encontrava próximo.
CORO: Repousai em paz, restos sagrados,
que já não chorarei mais, repousai e dai-me também o repouso! Que a tumba que
para vós foi preparada, e que não conhece o sofrimento, abra-me o céu e
feche-me o inferno.
CHORAL: Ai, Senhor, faz com que o teu
Anjo, no último momento, leve a minha alma ao seio de Abraão; que o meu corpo,
no seu lugar de repouso, descanse docemente e sem pesares até o dia do juízo
final! Quando da morte acorde, que os meus olhos te vejam com toda a alegria, ó
Filho de Deus, Salvador meu e Trono de Graça! Senhor Jesus Cristo, atende-me,
louvar-te desejo eternamente!
Nesta parte o Cristo morre. Antes
algumas das últimas palavras, as quais se perpetuaram ao longo da história dos
cristãos. Observem o belo solo de contralto, acompanhado por uma viola da
gamba, instrumento belíssimo da família das violas renascentistas, no qual Bach
era um virtuose. Na segundo vídeo, ação prossegue até o momento em que as
cortinas do templo rasgam e um tremor sacode tudo.
CHORAL: Ele cuidou de tudo na sua última
hora. Pensando na sua mãe, assegurou-lhe um protetor: Ó homem, atua com retidão,
ama a Deus e aos teus semelhantes até à morte sem queixa, e sem que te aflijas
por isso!
EVANGELISTA: E desde esse momento o
discípulo manteve-a sob a sua proteção. Depois, sabendo Jesus que tudo estava
consumado, a fim de que fossem cumpridas as Escrituras, disse:
JESUS: Tenho sede!
EVANGELISTA: Havia lá uma vasilha cheia
de vinagre. Os soldados embeberam uma esponja com o vinagre, espetaram-na numa
vara, e aproximaram-na da sua boca. Jesus terminou de tomar o vinagre, e
exclamou:
JESUS: Tudo está consumado!
ARIA (contralto): tudo se consumou! Ó,
consolo das almas atormentadas! A noite funesta traz à minha mente minha última
hora. O herói da Judéia chega vitorioso ao final da sua luta. Tudo se consumou!
EVANGELISTA: Inclinou a cabeça e
expirou.
ARIA (Baixo) COM CORO: Meu amado
Salvador, deixa-me perguntar-te, agora que estás cravado na cruz e que Tu mesmo
disseste: tudo se consumou, estou escusado da morte? Posso por teus sofrimentos
e tua morte alcançar o reino dos céus? Foi o mundo inteiro redimido? A dor
impede que fales; mas inclinas a cabeça e dizes em teu silêncio: sim, Jesus,
Tu, que morreste, vives agora para sempre; na minha última agonia a ninguém me
encomendarei mais que a ti, que me aceitas, ó, amado Senhor! Dá-me o que Tu
mereceste, nada mais desejo!
EVANGELISTA: Eis que o véu do templo
rasgou-se em duas partes, de cima até embaixo. E a terra tremeu, e racharam-se
as rochas, abriram-se os sepulcros e levantaram-se os corpos enterrados de
muitos santos.
ARIOSO (tenor): Coração meu, enquanto o
mundo inteiro sofre com a dor de Jesus, o sol veste-se de luto, o véu rasga-se,
as rochas desmoronam-se, a terra treme, as tumbas abrem-se, porque viram morrer
o Criador: E tu, que vais fazer?
Nesta parte, apreciem o belo arioso do
baixo (Stephan McLeod), acompanhado pelo coro. Aqui a dramaticidade é plena,
mas nada como ouvir as lindas passagens do coro.
ARIA (baixo) E CORO: apressai-vos, almas
aflitas, saí do poço do vosso martírio, apressai-vos – para onde? – para o
Gólgota! Pegai as asas da fé, voai – para onde? – para o Monte Calvário, lá
floresce a vossa bem aventurança!
EVANGELISTA: Lá foi crucificado e com
Ele outros dois, um de cada lado e Jesus no meio. Pilatos mandou preparar uma
inscrição que dizia: “Jesus de Nazaré, Rei dos judeus”. Muitos judeus leram
esta inscrição, já que o lugar onde Jesus foi crucificado era perto da cidade.
E estava escrito em hebreu, em grego e em latim. Os príncipes dos sacerdotes
dos judeus disseram a Pilatos:
CORO: Não escrevas: Rei dos Judeus,
porém o que Ele disse: Eu sou o Rei dos Judeus.
EVANGELISTA: Pilatos respondeu:
PILATOS: Tal e como devia ser escrito,
escrito está.
CHORAL: No fundo do meu coração só o teu
nome e a tua cruz brilham em qualquer tempo e momento, e isto me enche de
alegria. Aparecem como sinal de consolação na minha miséria, e Tu, doce Senhor,
sangraste até a morte!
EVANGELISTA: Os soldados, depois de
crucificá-lo, pegaram as suas vestimentas e dividiram-na em quatro partes, uma
para cada soldado. E como a sua túnica não tinha costuras e estava tecida de
alto a baixo, disseram entre eles:
CORO: Não a rasguemos, mas tiremos a
sorte para ver quem ganha.
EVANGELISTA: Assim se cumpriu o que está
escrito nas Escrituras, que dizem: “Dividiram as minhas vestimentas e sortearam
a minha túnica”. Isto foi o que fizeram os soldados. Junto à cruz de Jesus
estavam a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria, mulher de Cleofás, e Maria
Madalena. Jesus, vendo a sua mãe e junto dela seu discípulo amado, disse a sua
mãe:
Aqui vamos do momento da flagelação, da coroa de espinhos e do julgamento por Pilatos até a condução do Cristo ao Gólgota. A
tensão musical aumenta, os recitativos se torna tensos e expressivos, e o coro
assume o papel musical principal. Como não se assustar com a turba gritando "Crucifica-o". Observem:
EVANGELISTA: E os soldados trançaram uma
coroa de espinhos, puseram-na sobre a sua cabeça, colocaram-lhe um manto de púrpura
e disseram:
CORO: Salve, rei dos judeus!
EVANGELISTA: E davam-lhe bofetadas.
Pilatos saiu de novo e disse:
PILATOS: Vede, entrego-o a vós, para que
saibais que não encontro Nele delito nenhum.
EVANGELISTA: Jesus saiu, usando a coroa
de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos disse-lhes:
PILATOS: Vede, eis o homem!
EVANGELISTA: Quando o viram os príncipes
dos sacerdotes e os servos, disseram gritando:
CORO: Crucificai-o, crucificai-o!
EVANGELISTA: Pilatos disse-lhes:
PILATOS: Levai-o e crucificai-o vós mesmos,
pois eu não encontro Nele nenhum delito.
EVANGELISTA: Os judeus responderam-lhe:
CORO: Temos uma lei, e segundo essa lei
Ele deve morrer, porque considerou-se a si mesmo como Filho de Deus.
EVANGELISTA: Quando Pilatos ouviu isto,
atemorizou-se mais, voltou a entrar no pretório e disse a Jesus:
PILATOS: De onde tu és?
EVANGELISTA: Mas Jesus não lhe responde.
Então, disse-lhe Pilatos:
PILATOS: Não me responde? Não sabes que
eu tenho poder para crucificar-te e poder para soltar-te?
EVANGELISTA: Jesus respondeu:
JESUS: Tu não terias poder sobre mim se
não o tivessem concedido a ti teus superiores; portanto, quem me entregou a ti
tem maior pecado.
EVANGELISTA: A partir deste momento,
Pilatos tentou deixá-lo em liberdade.
CHORAL: Graças ao teu cativeiro, Filho
de Deus, recobramos nós a liberdade; a tua prisão é o trono da graça, o lugar
da liberdade para todos os piedosos; pois se não tivesse aceitado a escravidão,
a nossa duraria eternamente.
EVANGELISTA: Mas os judeus diziam gritando:
CORO: Se o deixas em liberdade, não és
amigo do César; pois quem se proclama rei atenta contra o César.
EVANGELISTA: Quando ouviu isto Pilatos,
levou Jesus e sentou-se no tribunal, no lugar denominado Lajedo; em hebreu
Gabbatha. Era a véspera da páscoa, pela hora sexta. Pilatos disse aos judeus:
PILATOS: Vede, eis o vosso rei!
EVANGELISTA: Mas eles gritavam:
CORO: Levai-o, levai-o e crucificai-o!
EVANGELISTA: Pilatos disse-lhes:
PILATOS: Hei de crucificar o vosso rei?
EVANGELISTA: Os sumo sacerdotes
responderam:
CORO: Nós não temos mais rei que o
César.
EVANGELISTA: Então, entregou-o para que
fosse crucificado. Apoderaram-se de Jesus e levaram-no. Jesus, carregando a sua
cruz, chegou ao lugar chamado Crânio, que em hebreu chama-se Gólgota.
Uma curiosidade da Wikipédia:
originalmente Bach planejou a Paixão segundo São João para ser apresentada na Igreja de São Tomás,
em Leipzig, mas uma decisão de última hora do conselho municipal de música
mudou a apresentação para a Igreja de São Nicolau. Bach rapidamente aceitou a
mudança de serviço, mas apontou que, como as partituras já estavam impressas e
o cravo de São Nicolau precisava de reparos, seria necessário um pequeno
investimento no sentido de ampliar o espaço físico para os músicos dentro do
coro além de conserto do cravo. O conselho aceitou a reivindicação de Bach e
anunciou em toda a cercania de Leipzig a mudança de local, além de realizar
todas as solicitações feitas pelo compositor.
A parte a seguir vem logo após o momento
em que Pilatos envia o Cristo para a flagelação.
ARIOSO (baixo): Contempla, alma minha,
com doloroso gozo, com o coração oprimido por amarga complacência, teu bem
supremo no sofrimento de Jesus, observa como os espinhos que o ferem abrem para
ti as flores celestiais. De sua angústia obterás abundantes e doces frutos; por
isso, observa-o.
ARIA (tenor): Observa como as suas
costas ensangüentadas vão por todas as partes parecendo-se com o céu. E, quando
a vaga de nossos pecados se extingue, o mais belo dos arco-íris aparece como
signo da graça divina.
As 7
Palavras, de Hostílio Soares, é uma peça de força que confronta solistas e
coro. A tensão obtida na sua execução depende da interação dos mesmos, o que
descobri há muito tempo, logo nas primeiras apresentações da obra. Talvez essa
interdependência tenha ensinado aos coristas a compartilharem integralmente os
solos com os colegas. É necessário “cantar junto”.
Em se tratando de solistas, essa obra
sempre foi responsável, no Madrigale, pela apresentação de várias belas vozes
ao mundo musical. Como as apresentações foram, num certo momento da história do
coro, realizadas de maneira funcional, ou seja, cantada em cerimônias, os
solistas eram do próprio coro. Isso me ensinou a valorizar aqueles que se
iniciavam, e iniciam, na carreira musical.
Dos solistas dessa apresentação, todos
tiveram a oportunidade de começarem suas apresentações com uma boa participação
na obra de Hostílio. Perguntem a eles se gostam das 7 Palavras? Nossa
convivência, fortalecida pelas muitas apresentações, estreitou, ao longo do
tempo, nossas relações. Dos cinco, quatro são meus amigos-irmãos. A quinta
caminha para tal. Que é quem?
Aproveitando dessa justificativa,
permitam que eu apresente os solistas sob a perspectiva do maestro:
Indaiara Patrocínio – entrou para o
Madrigale no início dos anos 2000. Sempre se destacou como um soprano de
personalidade e disposta a assumir os solos mais difíceis, principalmente
porque era enganada pelo maestro e não tinha consciência da dificuldade dos
solos. É, hoje, uma das principais cantoras de Belo Horizonte, atuando
profissionalmente como solista e professora de canto. Destaco suas
participações como solista na Missa em si
menor, de J. S. Bach; no Requiem,
de Mozart; e na Missa Afro-Brasileira,
de Carlos Alberto Pinto Fonseca.
Patrícia Cardoso Chaves – conheci essa
cantora nos cursos da Escola de Música da UEMG. Logo se mostrou portadora de
uma voz impressionante e carismática. Conhecida e querida nos meios musicais de
Belo Horizonte, hoje é professora de canto na Escola de Música da Universidade
de Ouro Preto. Destaco sua participação em Dido
e Aeneas, de Purcell; no Requiem,
de Mozart; na Paixão segundo São João,
de Bach; e única na interpretação da Ave
Maria, de Caccini.
Joubert Oliveira – sem comentários.
Joubert cantou na minha formatura. A peça? A própria 7 Palavras. Um cantor iniciante, à época, e que se tornou um tenor
sensacional e especial dentro do Madrigale e no cenário artístico da capital.
Hoje, é o mais antigo dos cantores atuantes no coro. Destaco: Missa em si menor, de J. S. Bach; no Requiem, de Mozart; Messias, de Haendel.
Mauro Chantal – foi apresentado ao mundo
dos solistas pela Missa em Sol, de Hostílio Soares. Sempre participou das
montagens das 7 Palavras. Hoje é um renomado cantor já tendo se apresentado em
óperas diversas e montagens sinfônicas das mais variadas. Além disso, é professor de canto na Escola de
Música da UFMG. Um bom percurso, não? Nem destaco nada, pois ele sempre chama
atenção pela sua bela e potente voz de baixo.
Mariana Redd – a caçula dos solistas.
Dotada de uma voz de colorido único e expressividade natural, assume a
responsabilidade dos solos de contralto. Essa vale a pena conferir na próxima
terça-feira. Quem estiver lá, verá. Ah! Sim. Cantora formanda na Escola da UEMG
e participante de concertos no Coro Lírico de Minas Gerais.
Ah! E não posso me esquecer de quem nos acompanhará. Patrícia Valadão é uma das mais renomadas pianistas do país. Dispensa apresentações.
Aqui se inicia a segunda parte, mais
longa do que a primeira. O papel do coro é essencial e intenso, o que já é
determinado pela sua intervenção imediata. Nessa primeira cena, o Cristo confronta
Pilatos, que tenta liberá-lo. Mas, no final, a turba exige a sua troca por
Barrabás. E ele foi flagelado.
Notem como o coro participa da ação
(representando a turba) cantando raivosamente, o que é interpretado por Bach em
escala por semitons. Uma maneira simbólica, em música, de criar tensão. E como
funciona!!!
CHORAL: Cristo que nos torna bem
aventurados e que não fez mal nenhum, na noite foi por nós, como um ladrão,
preso, apresentado ante pessoas ímpias e falsamente acusado, vexado,
escarnecido e humilhado, como dizem nas Escrituras.
EVANGELISTA: Levaram Jesus da casa de
Caifás ao pretório, onde não entraram para não se sujarem e poder comemorar a
Páscoa. Pilatos dirigiu-se, então, a eles, dizendo:
PILATOS: Que acusação tendes contra este
Homem?
EVANGELISTA: Eles responderam-lhe
dizendo:
CORO: Se não fosse um malfeitor, não o
estaríamos entregando.
EVANGELISTA: A isso Pilatos replicou:
PILATOS: Levai-o e julgai-o segundo a
vossa lei!
EVANGELISTA: E os judeus disseram:
CORO: Não nos é permitido matar.
EVANGELISTA: Assim se cumpria a palavra
de Jesus acerca de sua morte. Pilatos voltou a entrar no pretório, chamou Jesus
e disse-lhe:
PILATOS: És Jesus, o rei dos judeus?
JESUS: Dizes isto por ti mesmo, ou te
disseram outros de mim?
EVANGELISTA: Pilatos respondeu:
PILATOS: Sou por acaso judeu? O teu povo
e os príncipes dos sacerdotes entregaram-te a mim; que fizeste?
EVANGELISTA: Respondeu Jesus:
JESUS: O meu reino não é deste mundo; se
o meu reino fosse deste mundo, meus servos teriam lutado para que eu não fosse
entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui.
CHORAL: Ó, grande Rei, grande por todos
os tempos! Como poderia eu aumentar esta fidelidade? Nenhum coração humano
poderia conceber como corresponder aos teus dons. Com os meus sentidos não
poderia alcançar o que possa ser comparado com a tua misericórdia. O que
poderia oferecer-te para corresponder ao teu amor por mim?
EVANGELISTA: Pilatos disse-lhe:
PILATOS: És, então, um rei?
EVANGELISTA: Jesus respondeu:
JESUS: Tu o disseste, sou um rei. Nasci
e vim ao mundo para isso, para dar testemunho da verdade. Todo aquele que busca
a verdade, escuta a minha voz.
EVANGELISTA: Pilatos disse-lhe:
PILATOS: O que é a verdade?
EVANGELISTA: Depois de dizer isto, saiu
de novo para dizer aos judeus:
PILATOS: Não encontro culpa alguma Nele.
Mas, como tendes o costume de que vos solte um preso, quereis que deixe em
liberdade o rei dos judeus?
EVANGELISTA: De novo gritaram,dizendo:
CORO: Não Esse, mas Barrabás!
EVANGELISTA: Barrabás era um assassino.
Pilatos prendeu Jesus e mandou que o flagelassem.