O Madrigal Renascentista chegou a Madri em 13 de fevereiro de 1958. A recepção aconteceu na própria sede da Embaixada Brasileira, sob os cuidados do embaixador João Pizarro Gabizo de Coelho Lisboa, irmão da escritora Henriqueta Lisboa. Conta-se que o diplomata se comoveu ao ouvir as canções apresentadas pelo coro. Ali também estava o escritor mineiro Murilo Rubião, então chefe do Escritório Comercial do Brasil na Espanha, que anos mais tarde viria a ser presidente do Madrigal.
Nos dias seguintes, o coro se apresentou novamente nos salões da embaixada (14 de fevereiro) e realizou um concerto no Instituto de Cultura Hispânica (15 de fevereiro), seguido de um coquetel oferecido pelo embaixador (17 de fevereiro). É importante sublinhar: o centro da agenda madrilenha não foi o público comum, mas os espaços diplomáticos. O Madrigal cantava para plateias compostas por autoridades, convidados das embaixadas, representantes de governo. Isso já mostra o caráter eminentemente político da viagem.
Essa visita não pode ser dissociada das relações Brasil–Espanha no período. Na década de 1950, os dois países buscavam aproximar-se em comércio, cultura e imigração. O próprio JK, ainda antes de tomar posse, em 1956, já havia feito questão de visitar Franco e receber, em Madri, o título de Doutor Honoris Causa pela Real Academia Española. Em seu discurso, não deixou de sublinhar a afinidade estratégica entre os dois países, apoiada nos valores cristãos que Franco usava como sustentação ideológica do seu regime:
“Esta homenagem cordial e carinhosa autoriza-me a falar em nome do Brasil da simpatia e afeto que ali se sente pela Espanha, e a afirmar que nos dois países existe um ideal comum, já que temos a mesma filosofia e o mesmo sentido cristão das cousas, seguros de que assim nos salvaremos todos.”
É incômodo, mas necessário, lembrar: o Madrigal foi recebido e aplaudido dentro desse mesmo ambiente. A música servia, ao mesmo tempo, como arte e como reforço simbólico de alianças políticas. Enquanto o coro cantava polifonias, o governo brasileiro afirmava proximidade com o regime franquista.
Essa sobreposição entre beleza e política é um dos paradoxos da diplomacia cultural: o concerto pode comover um embaixador, emocionar um público, mas também legitimar um regime. É olhando para essas tensões que podemos compreender a dimensão real do que significou cantar em Madri em 1958.
👉 No próximo post, sigo
acompanhando o Madrigal em outras paradas da excursão, refletindo sempre sobre
o quanto de música e o quanto de política havia em cada apresentação.
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