A primeira viagem do Madrigal Renascentista à Europa começou por Portugal. Penso que há um simbolismo aí: a estreia do coro no continente se deu justamente neste país com quem o Brasil sempre manteve laços profundos, mas que vivia, então, os tempos duros da ditadura de Salazar. Pois bem, JK era amigo do ditador português...
O caminho até essa viagem teve sua história curiosa. As passagens foram conseguidas graças a Rosa Godoy, a Pitucha, que interceptou o presidente JK no aeroporto da Pampulha e arrancou dele o apoio necessário. Entre coragem e esperteza, ficou garantido que o coro cruzaria o Atlântico.
Em Portugal, o Madrigal foi bem recebido. Mas não só pelo público ou pela crítica. Houve também a recepção oficial: o coro foi apresentado ao próprio António de Oliveira Salazar. Esse encontro mostra que a excursão estava longe de ser apenas artística. A música servia também como aproximação entre governos, e não podemos esquecer o peso simbólico disso.
Outro detalhe importante: em várias cidades, as apresentações aconteceram nas embaixadas brasileiras. Ou seja, não se cantava apenas para o público local, mas também para diplomatas e convidados ligados ao governo. Fica a pergunta: quando se canta em uma embaixada, a quem se oferece a música?
Isso não diminui o valor artístico do Madrigal, mas ajuda a entender melhor a sua função naquele momento. A excursão de 1958 foi, sim, um ato de diplomacia cultural, em que arte e política se misturavam sem que fosse possível separar totalmente uma da outra.
Escrevendo de Lisboa hoje, é impossível não pensar nesse paradoxo. A música pode ser beleza e criação autêntica, mas também pode servir a interesses de regimes e governos. O desafio é olhar para essa história sem ingenuidade, tentando perceber suas várias camadas.
👉 No próximo post, sigo com a viagem e as passagens do coro por outros países da Europa, pensando cada vez mais nesse cruzamento entre música e diplomacia.
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