terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O Madrigal Renascentista e o Telefone Vermelho

Volta e meia, nas minhas releituras de meu livro O Coro do Brasil, reencontro pequenas relíquias que, como aqueles objetos guardados no fundo de uma gaveta antiga, brilham ainda mais quando revisitados. Desta vez, a faísca veio de um lugar improvável: uma tira de jornal do Estado de Minas, seção “Gurilândia” (de outros tempos).

No quadrinho, em meio à euforia de um “casamento real”, um personagem grita: “VOU TELEFONAR PARA A TURMA DO MADRIGAL: ELES TÊM QUE CANTAR NO CASAMENTO!” Imaginem!!! Um grupo dedicado à polifonia de Palestrina virar referência de crônica social? Pois virou.

A tira se referia ao casamento de Maria Estela Kubitschek, filha de Juscelino Kubitschek, em julho de 1962, episódio no qual o Madrigal Renascentista, já famoso, foi chamado a assumir a trilha sonora de um evento que misturava política, sociedade e alta cultura. Não era apenas música: era sinalização simbólica.

Fundado em 1956, o Madrigal já era um nome de peso. Cantara na inauguração de Brasília, respirava o ideal modernizador da época e carregava aquele brilho sóbrio da polifonia renascentista: luminosidade por dentro, nunca por fora.

Ser escolhido para o casamento da filha de JK era, no fundo, um gesto de afirmação estética e política. E o jornal sabia disso. A referência à “Lavourinha”, apelido do Banco da Lavoura, anunciante poderoso, colocava o Madrigal no centro do jogo entre cultura e economia. O coro já não era só coro: era prestígio. E é aqui que entra a metáfora divertida: o telefone vermelho.

Durante a Guerra Fria, ele simbolizava a linha direta entre as grandes potências. Nas mãos do cronista, virou o canal imediato para chamar o Madrigal. E havia estratégia nisso. Para garantir sofisticação, quem quisesse assinatura de qualidade cultural ligava para o Madrigal. Mais que isso: era comunicação essencial. A música do grupo tinha essa capacidade rara de ir direto ao ponto, sem ruídos, sem adornos desnecessários.

A tira cômica humaniza tudo: a urgência, o exagero, a ordem apressada. Quase dá pra ouvir a frase ecoando no corredor: - Liga pro Madrigal! Eles têm que cantar!

Que um grupo dedicado à simplicidade sonora do Renascimento tenha virado personagem de quadrinhos nos anos 60 é, no fundo, a prova de que a verdadeira arte se infiltra onde menos esperamos. E o telefone vermelho continua lá, sempre pronto para tocar.




 


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