Volta e meia, nas minhas releituras de meu livro O Coro do Brasil, reencontro pequenas relíquias que, como aqueles objetos guardados no fundo de uma gaveta antiga, brilham ainda mais quando revisitados. Desta vez, a faísca veio de um lugar improvável: uma tira de jornal do Estado de Minas, seção “Gurilândia” (de outros tempos).
No quadrinho, em meio à euforia de um “casamento real”, um personagem grita: “VOU TELEFONAR PARA A TURMA DO MADRIGAL: ELES TÊM QUE CANTAR NO CASAMENTO!” Imaginem!!! Um grupo dedicado à polifonia de Palestrina virar referência de crônica social? Pois virou.
A tira se referia ao casamento de Maria Estela Kubitschek,
filha de Juscelino Kubitschek, em julho de 1962, episódio no qual o Madrigal
Renascentista, já famoso, foi chamado a assumir a trilha sonora de um evento
que misturava política, sociedade e alta cultura. Não era apenas música: era sinalização
simbólica.
Fundado em 1956, o Madrigal já era um nome de peso. Cantara
na inauguração de Brasília, respirava o ideal modernizador da época e carregava
aquele brilho sóbrio da polifonia renascentista: luminosidade por dentro, nunca
por fora.
Ser escolhido para o casamento da filha de JK era, no fundo,
um gesto de afirmação estética e política. E o jornal sabia disso. A referência
à “Lavourinha”, apelido do Banco da Lavoura, anunciante poderoso, colocava o
Madrigal no centro do jogo entre cultura e economia. O coro já não era só coro:
era prestígio. E é aqui que entra a metáfora divertida: o telefone
vermelho.
Durante a Guerra Fria, ele simbolizava a linha direta entre
as grandes potências. Nas mãos do cronista, virou o canal imediato para chamar
o Madrigal. E havia estratégia nisso. Para garantir sofisticação, quem quisesse
assinatura de qualidade cultural ligava para o Madrigal. Mais que isso: era
comunicação essencial. A música do grupo tinha essa capacidade rara de ir
direto ao ponto, sem ruídos, sem adornos desnecessários.
A tira cômica humaniza tudo: a urgência, o exagero, a ordem
apressada. Quase dá pra ouvir a frase ecoando no corredor: - Liga pro
Madrigal! Eles têm que cantar!
Que um grupo dedicado à simplicidade sonora do Renascimento
tenha virado personagem de quadrinhos nos anos 60 é, no fundo, a prova de que a
verdadeira arte se infiltra onde menos esperamos. E o telefone vermelho
continua lá, sempre pronto para tocar.
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