Ouvir Riu Riu Chiu na apresentação do Coro da Nova, dias atrás, foi como abrir uma janela para o passado. A peça, um villancico (canção natalina tradicional em espanhol) anônimo do Cancionero de Upsalla (1556), é conhecida pelo seu caráter rítmico, pelo refrão onomatopaico e pela ligação direta com o repertório natalino ibérico do século XVI.
Mas, para mim, ela carrega também um significado muito particular: foi uma das obras marcantes do repertório do Madrigal Renascentista, especialmente nos primeiros anos do grupo sob a direção de Isaac Karabtchevsky. O Madrigal cantou Riu Riu Chiu repetidas vezes, e, naquele período inicial, o solo era interpretado por uma figura que deixou marca profunda no canto coral e na música brasileira: Amin Feres.
Amin Feres (1934–2006) foi um dos grandes nomes da música
vocal no Brasil no século XX. Barítono-baixo de timbre firme e presença
marcante, atuou intensamente como solista em obras sinfônicas e camerísticas.
Foi professor da Escola de Música da UFMG e formou gerações de cantores.
Sua atuação com o Madrigal Renascentista, ainda jovem,
compõe um capítulo importante da construção estética do grupo. Amin tinha
exatamente o tipo de voz que dá corpo ao estribilho de Riu Riu Chiu:
firme, rítmica, estilisticamente apropriada ao caráter popular-renascentista do
villancico, e capaz de sustentar o colorido percussivo da linha vocal.
Ao ouvir a peça com o Coro da Nova, a memória veio inteira:
o timbre do Amin, a condução de Karabtchevsky, e aquela maneira muito
particular que o Madrigal tinha de lidar com repertórios ibéricos: com clareza,
energia e rigor estilístico.
Riu Riu Chiu é um exemplo típico da circulação musical do século XVI: recolhido no Cancionero de Upsalla; composto anonimamente na tradição espanhola; e reinterpretado séculos depois por coros de todo o mundo. Ou seja: uma peça que atravessa geografias e gerações.
Karabtchevsky e o Madrigal tiveram papel importante em
introduzir esse repertório ao público brasileiro, e o solo de Amin, sempre
bem-humorado, ritmado e seguro (como ele era), consolidou a obra no imaginário
do grupo. Faz parte daquela memória que, à distância, se torna ainda mais
nítida.
Para ilustrar esta lembrança, incluo uma gravação histórica do Madrigal Renascentista cantando Riu Riu Chiu, com o solo de Amin Feres. Não é apenas um registro musical: é um documento afetivo e estético de um momento fundamental na trajetória do coro. Apreciem:
🎬 Madrigal Renascentista - Riu, riu, chiu (1959)
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