Maestros são formados para parecer indestrutíveis: inerrantes, infalíveis, acima de qualquer problema. Desde cedo, aprendemos a ter sempre um plano A, B ou C, porque a música não pode parar; o público não espera. Supõe-se que estejamos acima das fragilidades da saúde e imunes aos conflitos pessoais. Ensina-se a engolir o choro nas tristezas, a ignorar o luto, a superar frustrações, conflitos familiares e dilemas íntimos — sobretudo o nosso maior adversário: nós mesmos.
Somos preparados para superar a dor, o corpo, a mente e suas
limitações. Tornamo-nos, aos olhos de muitos, deuses da música. É isso que o
público imagina. É nisso que somos levados a acreditar. Mas isso não
corresponde à realidade.
A pergunta central permanece: o que fazer quando somos
confrontados por situações adversas? Não há aulas para isso. Não existe
preparação formal para esses momentos. O que fazer quando é preciso fazer
música em meio ao caos?
Há o caos dos problemas pessoais e familiares, que precisam
ser silenciados para que se consiga sair de casa, enquanto o palco da mente se
divide entre mais um espetáculo e um conflito matrimonial não resolvido. Há o
caos dos transtornos psicológicos, que chegam sem aviso prévio, dominam corpo e
mente e revelam, de forma brutal, que não temos controle algum. Diante do
público, o corpo trava; instala-se um silêncio sepulcral na plateia, à espera
de um som magnífico que não acontece. E resta apenas voltar para casa, em
desespero, sem saber o que fazer.
Há ainda o caos de receber, como um golpe no peito, a
notícia da morte de alguém que se ama e, mesmo assim, subir ao palco para
executar uma missa de Réquiem. Um nó na garganta, lágrimas contidas, pernas
bambas. Ao fim do concerto, não vêm os aplausos — apenas a dor e a saudade que
finalmente transbordam.
Há o caos de ter um filho com um grave problema no coração,
a esposa prestes a dar à luz, ambos em risco, e não poder estar presente de
forma plena porque há concertos de Natal a cumprir. São muitos os exemplos, e
falo com propriedade: são reais. Eles nos despertam do sonho utópico da
perfeição no qual fomos inseridos e nos obrigam a reconhecer que não somos
deuses. Estamos muito longe de controlar tudo e todos. Não sabemos o que o
futuro reserva, e talvez a única coisa que nos sustente seja a música.
Mas não a música dos palcos, envenenada pela obsessão do
belo e do perfeito. Não a música contaminada pela política interna de
instituições que, de maneira imoral, substituem a arte pela troca de favores.
Não a música que ignora o ideal de uma arte para todos e privilegia a elite de
uma sociedade seleta, isolada em um universo paralelo à dura e complexa
realidade social contemporânea.
Falamos de outra música. A música que não ignora o ser
humano por trás da performance. A música que nasce de dentro do peito, irradia
do coração e alcança os ouvidos da alma. Aquela que nos ajuda a reconhecer, com
honestidade, quem realmente somos.
Quando essa música consegue se externalizar, ela emociona
porque nos desnuda diante dos ouvintes. Ela só existe quando é feita em
respeito à nossa humanidade, às nossas fragilidades e limitações.
Por mais difícil que seja admitir, por trás da música existe o músico. E ele é frágil.
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