segunda-feira, 20 de outubro de 2025

City Called Heaven — vozes que resistem ao esquecimento

Maio de 2020. O mundo inteiro em suspensão. As cidades vazias, o tempo dilatado, a respiração contida... A arte, mais uma vez,  encontrava um modo de continuar. Foi nesse cenário que nasceu mais um dos nossos coros virtuais, com o Madrigale espalhado por telas e distâncias, mas unido pelo som e pelo desejo de permanecer.

Escolhemos City Called Heaven, espiritual afro-americano que fala de cansaço, fé e travessia. Na voz profunda de Fernanda Valadares, a canção ganhou uma dimensão simbólica: era prece e era desabafo, era busca por um céu possível quando tudo parecia tão baixo.

Mas havia algo mais: o vídeo, com suas imagens fragmentadas, os rostos dissolvidos, as sobreposições e ausências, transformou-se em metáfora daquele tempo. As vozes se reconstruíam em meio à desconstrução, revelando a dor e a beleza de existir num mundo interrompido.

O tempo passou, e o mundo tentou seguir adiante. Mas há algo inquietante na forma como a pandemia vem sendo esquecida, como se quiséssemos apagar o medo, a solidão e as perdas que nos atravessaram. Eu penso o contrário: não devemos esquecer. Porque naquele vazio, nas casas silenciosas, nas vozes gravadas com fones simples e microfones precários, aprendemos o que é comunidade, o que é fragilidade, o que é amor à arte e à vida.

City Called Heaven é, para mim, uma das lembranças mais sinceras daquele período. Não é apenas um registro musical: é um testemunho. É o som de um tempo em que a música foi abrigo, em que cantar era resistir. 

Esse Spiritual nasceu da tradição afro-americana, da voz coletiva que atravessou séculos de dor e esperança. É uma canção de exílio e fé, um lamento que busca consolo num “céu chamado paraíso”; não como fuga, mas como resistência. Ao cantá-la naquele maio de 2020, o Madrigale se uniu, sem saber, a essa linhagem de vozes que nunca se calaram. Porque cantar, mesmo quando o mundo desaba, é afirmar que a vida ainda tem som.

 

🎧 Assista ao vídeo no YouTube

 

 

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Um comentário:

Leandro Braga disse...

É sempre bom rever um vídeo que deu tanto trabalho para ser criado. Naquela época, estávamos todos reclusos em casa, produzindo vídeos e já cansados de ver coros aparecendo apenas em janelas, quadrados e outras formas geométricas. Queríamos ver o coro cantando como um coro de verdade.
De forma simples e caseira, conseguimos fazer um vídeo com uma formação coral, mesmo em plena pandemia. Vale lembrar que quase toda a edição foi feita em um celular. Tivemos o desafio de ajustar os vídeos para que ficassem com uma qualidade semelhante, evitando grandes discrepâncias.
O resultado final, acredito, vale a pena ser revisto.

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