Depois da pele, vem o corpo. Em The Barrel of the Drum, Bob Chilcott nos leva ao coração da floresta, onde a árvore é escolhida para se transformar no tambor. O texto de Kamau Brathwaite descreve o ato de cortar a madeira como um ritual de passagem, uma mistura de força e reverência. A árvore é ferida, mas sua seiva, “sangue oco”, torna-se o útero do som que virá.
A peça fala de transformação e renascimento. A madeira deixa
de ser árvore e passa a ser voz: matéria moldada, corpo que sustenta a
vibração. Há respeito nesse gesto, uma consciência de que a natureza oferece o
seu corpo para que o homem possa falar com o divino.
Chilcott traduz esse processo com uma escrita coral sólida,
quase escultural. A música começa como se fosse uma única voz, firme e
enraizada, e aos poucos se abre em camadas harmônicas que evocam o trabalho do
entalhe, o corte, o esforço. O ritmo tem algo de artesanal, como o som das
ferramentas que moldam a madeira.
Em certos momentos, o coro parece respirar junto com a
floresta: o som do machado e o eco da terra se misturam à pulsação humana. O
resultado é um movimento que fala sobre a comunhão entre o homem e a matéria, e
sobre o respeito necessário à criação.
Nada aqui é apenas técnico; tudo é simbólico. A madeira é
ferida, mas dela nasce a música. E o tambor, como um corpo, ganha alma.
Vou sugerir a audição da bela interpretação Taipei Chamber Singers, sob a regência de Yun-Hung Chen. Esta primeira peça vai do minuto 2:10 até 5:45. E no próximo post, eu falarei sobre a terceira peça: The Two Curved Sticks of the Drummer.
🎧 The Making of the Drum (Bob Chilcott) - Taipei Chamber Singers / Conductor: Yun-Hung CHEN
The Barrel of the Drum
(Edward Kamau Brathwaite)
For this we choose wood
of the tweneduru tree:
hard duru wood
with the hollow blood
that makes a womb.
Here in this silence
we hear the wounds
of the forest;
we hear the sounds
of the rivers;
vowels of reed-
lips, pebbles
of consonants,
underground dark
of the continent.
You dumb adom wood
will be bent,
will be solemnly bent, belly
rounded with fire, wounded
with tools
that will shape you.
You will bleed,
cedar dark,
when we cut you;
speak, when we touch you.
Tradução livre:
Para isso, escolhemos a madeira
da árvore de tweneduru:
madeira dura de duru
com o sangue oco
que faz um útero.
Aqui, neste silêncio,
ouvimos as feridas
da floresta;
ouvimos os sons
dos rios;
vogais de lábios
de junco, seixos
de consoantes,
escuridão subterrânea
do continente.
Tu, muda madeira adom,
serás dobrada,
serás solenemente dobrada,
barriga arredondada com fogo, ferida
por ferramentas
que irão moldar-te.
Sangrarás,
cedro escuro,
quando te cortarmos;
falarás,
quando te tocarmos.
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