segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Entre silêncios e retornos

Houve um tempo em que o silêncio se impôs de forma brutal. A pandemia não trouxe apenas o medo e o isolamento: trouxe, para mim, o vazio de não poder ouvir nem reger vozes. Foi como se o chão que me sustentava tivesse desaparecido. Os palcos, que sempre foram extensão do meu corpo, se fecharam. As salas de ensaio, que sempre guardaram a respiração coletiva, se calaram. E, de repente, precisei me escutar sozinho.

Vieram as experiências virtuais, esse estranho recurso de tentar juntar o que estava separado. Coros em vídeos editados, ensaios em plataformas digitais, encontros que mais pareciam miragens do que presenças. Não era o mesmo, e nunca poderia ser. Mas foi nesse tempo que compreendi que a música é também resistência: ela se transforma em gesto, em lembrança, em promessa de futuro. Aprendi a aceitar que cantar junto, mesmo de modo fragmentado, ainda assim era um ato de teimosia contra o vazio.

O Madrigale, nesse período, foi para mim mais do que um grupo artístico. Foi a memória viva de tudo o que construímos ao longo dos anos e, ao mesmo tempo, a lembrança constante do quanto a música depende da presença, do corpo, do olhar. Mantê-lo em suspenso foi doloroso, mas também foi um exercício de fé: a certeza de que voltaríamos a nos encontrar e de que o coro ainda teria voz quando as portas se reabrissem.

Quando o tempo da reabertura chegou, os retornos foram lentos, cheios de cautela. Mas cada ensaio de novo presencial parecia uma conquista, cada concerto um rito de renascimento. O Madrigale voltou ao palco com a mesma entrega de sempre, mas em mim havia um olhar diferente: o de quem sabe o que significa perder, e o que significa reencontrar. Vieram outras tarefas, novas responsabilidades, e também o pós-doutorado que me instiga a pensar de onde vim e para onde caminho.

Olho hoje para esses últimos anos e percebo que não foram apenas sobre sobrevivência. Foram sobre reconhecimento: a música não me pertence apenas como profissão, mas como pulsação vital. E mesmo quando o palco desaparece, mesmo quando a sala de ensaio se fecha, ela insiste em permanecer.

Entre silêncios e retornos, descobri que a vida é feita de travessias. E que nenhuma delas é definitiva.

 


 Das muitas fotos que tirei da minha varanda... ao longo da pandemia.

👉 No próximo post, falarei um bocado sobre os coros virtuais dos tempos de pandemia. Pra não esquecer daqueles tempos sombrios.

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