segunda-feira, 13 de outubro de 2025

The Making of the Drum — 3. The Two Curved Sticks of the Drummer (Os dois bastões curvados do percussionista)

Depois da pele e da madeira, chega a hora do gesto. O tambor, agora pronto, aguarda quem o faça vibrar. Em The Two Curved Sticks of the Drummer, Bob Chilcott volta o olhar para o percussionista, o mediador entre o instrumento e o mundo. É dele que virá o movimento, o ritmo, o sopro do tempo.

O poema de Kamau Brathwaite fala de uma árvore singular, cujos galhos brancos racham como relâmpagos no vento seco do harmatão, o vento que sopra do Saara, áspero e luminoso. Dessa árvore, os anciãos extraem os galhos que se tornarão os bastões do baterista. Madeira dura, “sem som como um osso”, que só encontrará voz quando tocar o tambor.

Há aqui uma bela metáfora: os bastões não produzem som por si mesmos, só existem na relação. Eles são a extensão das mãos humanas, o elo entre a matéria e o espírito. O tambor só fala quando é tocado, e o homem só fala plenamente quando encontra o ritmo certo.

Musicalmente, este é um dos movimentos mais vibrantes da obra. Chilcott compõe com energia e leveza, usando ritmos vivos, sincopações e ostinatos que evocam o som dos bastões em ação. O coro se torna corpo rítmico: canta, sopra, marca o pulso, respira junto. Em certos trechos, parece que os próprios cantores empunham bastões invisíveis, transformando a voz em percussão e o silêncio em espaço sonoro. É uma celebração da habilidade humana e da conexão entre gesto e som.

Os bastões curvados, que antes foram ramos da floresta, agora marcam o compasso da vida. E o percussionista, com eles nas mãos, torna-se aquele que une o humano ao divino. Não apenas um músico, mas o condutor de um rito de comunhão, e depois do sacrifício da pele e da árvore, vem o gesto que une tudo. 

Os bastões do percussionista representam a ação humana que transforma o potencial em som. Eles são extensão, continuidade e ponte. A música de Chilcott traduz isso com vitalidade: é o pulso da criação em movimento.

O tambor, agora completo, encontra o seu companheiro natural, o homem que o desperta. E, a cada batida, o que era matéria se torna espírito; o que era silêncio se torna celebração.

Vou sugerir a audição da bela interpretação Taipei Chamber Singers, sob a regência de Yun-Hung Chen. Esta primeira peça vai do minuto 5:45 até 7:55. E no próximo post, eu falarei sobre a quarta parte: Gourds and Rattles.

🎧 The Making of the Drum (Bob Chilcott) - Taipei Chamber Singers / Conductor: Yun-Hung CHEN


The Two Curved Sticks of the Drummer

(Edward Kamau Brathwaite)

There is a quick

stick grows in the forest,

blossoms twice yearly

without leaves;

bare white branches

crack like lightning

in the harmattan.

But no harm

comes to those who live near-by.

This tree, the

elders say, will never

die.

From this stripped tree

snap quick sticks for

the festival. Its wood,

heat-hard as stone,

is toneless as a bone.

 

Tradução livre:

Há um galho rápido

que cresce na floresta,

floresce duas vezes por ano

sem folhas;

brancos e nus, seus galhos

racham como relâmpagos

no harmatão*.

Mas nenhum mal

acontece aos que vivem por perto.

Esta árvore, dizem

os anciãos, nunca

morrerá.

Desta árvore despojada

quebram-se galhos rápidos

para o festival. Sua madeira,

dura como pedra,

é sem som como um osso.


O harmatão é um vento seco e frio que sopra do deserto do Saara para o oeste da África, geralmente ocorrendo entre o final de novembro e o início de março. Este vento é caracterizado por transportar grandes quantidades de poeira e areia do deserto, criando uma névoa densa que pode reduzir a visibilidade e afetar a qualidade do ar. No contexto da poesia ou literatura, o harmatão pode ser usado como uma metáfora para condições austeras ou para evocar imagens de paisagens áridas e inóspitas.

 





 

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