Nos próximos posts, quero partilhar uma das obras corais que
mais me marcaram nos últimos tempos: The Making of the Drum,
de Bob Chilcott, sobre textos do poeta Edward Kamau
Brathwaite. A peça narra o nascimento de um tambor, da preparação da pele
até a celebração final, e, ao mesmo tempo, fala sobre algo maior: o próprio
mistério da criação.
Chilcott transforma essas imagens em música coral de uma
simplicidade rara, quase ritual, em que o som nasce da terra e termina no
espírito. Mais do que uma obra sobre um instrumento, The Making of the
Drum é uma meditação sobre a vida que pulsa dentro de cada som.
Este primeiro movimento fala da preparação da pele do
tambor, um momento físico, mas também espiritual. É o instante do sacrifício e
da transformação, quando a vida cede espaço à arte, e o que era corpo se torna
som.
O poema descreve a retirada e o estiramento da pele de uma
cabra. É um gesto duro, mas feito com reverência: a consciência de que toda
criação nasce de uma entrega. A pele, agora transformada, vibra para dar voz ao
tambor, e, por meio dela, o homem fala com os deuses.
Musicalmente, Chilcott traduz isso com gestos precisos:
ritmos que lembram o toque do tambor, harmonias tensas que sugerem o
estiramento da pele, e contrastes entre quietude e intensidade. É uma música
feita de força e respeito, uma oração à própria matéria do som.
A cena inicial da obra é dura e sagrada. Não se trata apenas de fabricar um instrumento, mas de compreender o preço e o sentido da criação. O som que nasce dessa pele é memória e oferenda. Ouvir The Skin é reconhecer que todo canto verdadeiro carrega, em algum lugar, um gesto de entrega.
Vou sugerir a audição da bela interpretação Taipei Chamber Singers, sob a regência de Yun-Hung Chen. Esta primeira peça vai do minuto 0:00 até 2:10. E amanhã eu falo sobre a segunda peça: The barrel of the Drum.
🎧 The Making of the Drum (Bob Chilcott) - Taipei Chamber Singers / Conductor: Yun-Hung CHEN
The Skin
(Edward Kamau Brathwaite)
First the goat
must be killed
and the skin
stretched.
Bless you, fourfooted animal, who eats rope,
skilled
upon the rocks, horned with our sin;
stretched your skin, stretch
it tight on our hope;
we have killed
you to make a thin
voice that will reach
further than hope,
further than heaven, that will
reach deep down to our gods where the thin
light cannot leak, where our stretched
hearts cannot leap. Cut the rope
of its throat, skilled
destroyer of goats; its sin
spilled on the washed gravel, reaches
and spreads to devour us all. So the goat
must be killed
and its skin
stretched.
Tradução livre
Primeiro, a cabra
deve ser morta
e a pele
esticada.
Bendito sejas, animal de quatro patas,
que come corda,
ágil sobre as rochas, cornudo com nosso pecado;
esticamos tua pele, esticamos
bem firme, firme em nossa esperança;
nós te matamos
para criar uma voz fina
que alcançará
além da esperança,
além do céu, que chegará
até nossos deuses, onde a luz tênue
não pode penetrar, onde nossos corações esticados
não podem saltar. Corta a corda
da tua garganta, hábil
destruidor de cabras; teu pecado
derramado sobre a brita lavada se espalha
e nos devora a todos. Assim, a cabra
deve ser morta
e sua pele
esticada.
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