Depois da pele, da madeira e dos bastões, chega o tempo da celebração. Em Gourds and Rattles, Bob Chilcott amplia o mundo sonoro da obra: agora, é a própria floresta que ressoa. As cabaças e os chocalhos entram em cena, instrumentos simples e ancestrais que carregam o som do tempo e da terra.
O poema de Kamau Brathwaite descreve a árvore de calabaça e
a transformação de seus frutos verdes em instrumentos musicais. As folhas “não
se chocam”, mas os frutos queimam “como cobre na luz” e racham para libertar as
sementes que chacoalham. É uma imagem de renovação e movimento, a natureza se
abrindo em som. O texto mistura serenidade e humor: as cabaças “fazem e zombam
da nossa música”, como se lembrassem que a arte é também um jogo, um espelho da
própria vida. A música, nesse ponto, deixa de ser apenas ritual e se torna
festa.
Chilcott traduz isso com uma escrita coral cheia de energia
e brilho. Há leveza no ritmo, estalos, sussurros, chocalhos vocais. O coro cria
uma textura viva, feita de pequenas pulsações e respirações. É como se cada
cantor segurasse uma cabaça invisível e a fizesse dançar no ar. Os ostinatos
rítmicos mantêm o pulso contínuo, enquanto as harmonias saltam como sementes
dentro do fruto. É um movimento que celebra a alegria da criação e a
engenhosidade humana de transformar o que a natureza oferece em som e dança.
Aqui, o tambor já não é apenas instrumento, é comunidade. A
música que começou no sacrifício termina em riso, corpo e movimento.
Vou sugerir a audição da bela interpretação Taipei Chamber Singers, sob a regência de Yun-Hung Chen. Esta primeira peça vai do minuto 7:55 até 9:40. E amanhã eu falo sobre a quinta e última parte: The Gong-Gong.
🎧 https://youtu.be/wfFiHKXQ1dg?si=9Ko_lD_FSfIYcvdy&t=475
Gourds and Rattles
(Edward Kamau Brathwaite)
Calabash trees'
leaves
do not clash;
bear a green
Gourd, burn
copper in the
light, crack
open seeds
that rattle.
Blind underground the rat’s
dark saw-teeth bleed
the wet root, snap
its slow long drag of time,
its grit, its flavour; turn
the ripe leaves sour. Clash
rattle, sing gourd; never leave
time’s dancers weary like this tree
that makes and mocks our music.
Tradução livre:
As folhas das
árvores de calabaça
não se chocam;
dão uma cabaça
verde, queima como cobre
na luz, racham
sementes
que chacoalham.
Cego no subterrâneo, o escuro
do rato, dentes de serra,
sangra a raiz úmida, rompe
seu lento arrastar do tempo,
seu sabor áspero; torna
as folhas maduras azedas. Chacoalha,
canta, cabaça; nunca deixes
os dançarinos do tempo cansados como esta árvore,
que faz e zomba da nossa música.
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