Hoje, Dia de Finados, mais uma vez o Requiem de Mozart ecoará na Catedral da Boa Viagem, em Belo Horizonte. É uma tradição que o Coro Madrigale mantém há muitos anos, uma celebração musical e espiritual que se repete sempre nessa data, com o mesmo sentimento de homenagem e lembrança.
Mesmo com o coro oficialmente em recesso, por causa do meu
período de estudos na Europa, os cantores se reuniram espontaneamente para
manter viva essa tradição. Sob a regência do maestro Weberson Almeida,
eles estarão lá, com suas vozes unidas em oração e arte, fazendo da música um
elo entre o tempo e a memória.
A certeza da morte e o entendimento de sua inevitabilidade
só nos fazem viver com mais intensidade. E talvez por isso, no campo da criação
musical, esse tema tenha deixado um legado tão especial de obras-primas, e
algumas das mais belas melodias de todos os tempos nasceram justamente do
confronto com a finitude.
No caso de Mozart, uma possível consciência do próprio fim
conduziu à criação de cenários dramáticos de uma beleza indescritível. Se ele
escreveu seu Requiem para o próprio funeral, ou se foi assombrado por
fantasmas de vida e de morte, isso pouco importa no momento da execução. O que
interessa é recriar, a cada nova interpretação, esse universo concebido por ele
dentro da perspectiva do nosso tempo e das nossas próprias experiências.
E por que os músicos se interessam tanto por essa obra?
Porque é bela? Porque emociona? Porque é popular? Porque representa um desafio
técnico e interpretativo? Ou porque nos convida, inevitavelmente, a refletir
sobre a vida e sobre a morte? A resposta, certamente, é a soma de todos esses
elementos.
As interpretações do Requiem são muitas, e até as minhas próprias foram se transformando com o tempo, afinal, a vida muda a forma como pensamos a música. Jamais penso na obra de Mozart como uma missa de mortos, mas como uma celebração da plenitude da vida que conduz ao descanso. Essa celebração, ainda que íntima, se manifesta desde as três primeiras batidas do tímpano, um verdadeiro solista dentro da obra, que anunciam, com força e solenidade, a palavra mágica: Requiem, descanso.
A consciência do pecado, tema ainda tão atual, não deve ser ignorada. É ela que sustenta o cenário de pânico e redenção que Mozart criou na sequência do Dies Irae. As cordas e os metais, em seu vigor, parecem evocar as chamas do inferno de Dante, e, logo adiante, o Recordare surge como súplica e consolo: um pedido doce para que o Pai não se esqueça de nós no momento do juízo final. E como não se emocionar com a doçura do Lacrymosa, lágrimas em uma oração que embala e humaniza a dor.
É curioso perceber como, mesmo em tempos tão diferentes, a
ideia do fim ainda nos afeta profundamente. O Requiem nos lembra disso,
mas também nos ensina a celebrar a vida. Que essa celebração continue a
acontecer, todos os anos, pela união daqueles (músicos, cantores e público) que
se reúnem em torno dessa obra imortal. Porque, afinal, é cantando sobre a morte
que reafirmamos a beleza de estarmos vivos.