domingo, 2 de novembro de 2025

O Requiem de Mozart e a celebração da vida

Hoje, Dia de Finados, mais uma vez o Requiem de Mozart ecoará na Catedral da Boa Viagem, em Belo Horizonte. É uma tradição que o Coro Madrigale mantém há muitos anos, uma celebração musical e espiritual que se repete sempre nessa data, com o mesmo sentimento de homenagem e lembrança.

Mesmo com o coro oficialmente em recesso, por causa do meu período de estudos na Europa, os cantores se reuniram espontaneamente para manter viva essa tradição. Sob a regência do maestro Weberson Almeida, eles estarão lá, com suas vozes unidas em oração e arte, fazendo da música um elo entre o tempo e a memória.

A certeza da morte e o entendimento de sua inevitabilidade só nos fazem viver com mais intensidade. E talvez por isso, no campo da criação musical, esse tema tenha deixado um legado tão especial de obras-primas, e algumas das mais belas melodias de todos os tempos nasceram justamente do confronto com a finitude.

No caso de Mozart, uma possível consciência do próprio fim conduziu à criação de cenários dramáticos de uma beleza indescritível. Se ele escreveu seu Requiem para o próprio funeral, ou se foi assombrado por fantasmas de vida e de morte, isso pouco importa no momento da execução. O que interessa é recriar, a cada nova interpretação, esse universo concebido por ele dentro da perspectiva do nosso tempo e das nossas próprias experiências.

E por que os músicos se interessam tanto por essa obra? Porque é bela? Porque emociona? Porque é popular? Porque representa um desafio técnico e interpretativo? Ou porque nos convida, inevitavelmente, a refletir sobre a vida e sobre a morte? A resposta, certamente, é a soma de todos esses elementos.

As interpretações do Requiem são muitas, e até as minhas próprias foram se transformando com o tempo, afinal, a vida muda a forma como pensamos a música. Jamais penso na obra de Mozart como uma missa de mortos, mas como uma celebração da plenitude da vida que conduz ao descanso. Essa celebração, ainda que íntima, se manifesta desde as três primeiras batidas do tímpano, um verdadeiro solista dentro da obra, que anunciam, com força e solenidade, a palavra mágica: Requiem, descanso.

A consciência do pecado, tema ainda tão atual, não deve ser ignorada. É ela que sustenta o cenário de pânico e redenção que Mozart criou na sequência do Dies Irae. As cordas e os metais, em seu vigor, parecem evocar as chamas do inferno de Dante, e, logo adiante, o Recordare surge como súplica e consolo: um pedido doce para que o Pai não se esqueça de nós no momento do juízo final. E como não se emocionar com a doçura do Lacrymosa, lágrimas em uma oração que embala e humaniza a dor.

É curioso perceber como, mesmo em tempos tão diferentes, a ideia do fim ainda nos afeta profundamente. O Requiem nos lembra disso, mas também nos ensina a celebrar a vida. Que essa celebração continue a acontecer, todos os anos, pela união daqueles (músicos, cantores e público) que se reúnem em torno dessa obra imortal. Porque, afinal, é cantando sobre a morte que reafirmamos a beleza de estarmos vivos.

  

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sábado, 1 de novembro de 2025

Marcos Leite - a voz que reinventou o canto coral brasileiro

E aproveitando o post anterior, me permitam falar um pouco sobre o compositor e arranjador Marcos Leite (que fez os arranjos de Pra machucar meu coração e Lata d'água). Vamos lá:

Na minha opinião, poucos músicos transformaram o panorama do canto coral no Brasil como Marcos Leite (1953–2002). Compositor, arranjador e maestro carioca, ele uniu de forma pioneira a linguagem popular e o pensamento coral contemporâneo, criando uma estética própria, brasileira, ousada e sensível. Fundador do grupo vocal Garganta Profunda, Marcos deu nova dimensão à ideia de “coro”: não apenas um conjunto de vozes afinadas, mas um corpo expressivo, que canta, interpreta, respira e se move com teatralidade.

Sua escrita sempre valorizou o ritmo da fala, a pulsação da música urbana, o humor e a delicadeza da canção brasileira. Ao mesmo tempo, trouxe sofisticação harmônica e refinamento técnico, resultado de quem conhecia profundamente a estrutura da música coral erudita, mas queria libertá-la do peso do formalismo.

Foi ele quem mostrou que a música de Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil ou Gonzaguinha podia soar em quatro, seis, oito vozes, mantendo a emoção e a identidade brasileira com harmonias criativas e uma liberdade que convidava o público a redescobrir o conhecido. 

Hoje, muito do que se faz em grupos vocais e coros populares no Brasil tem a marca de sua linguagem: a mistura de precisão e leveza, humor e lirismo, erudição e naturalidade. 

Mesmo após sua partida precoce, em 2002, sua música continua viva, seja nos arranjos que seguem sendo cantados por coros de todo o país, seja na memória daqueles que o conheceram ou aprenderam com ele.

Enfim, falar de Marcos Leite é falar de um ponto de virada no canto coral brasileiro, mas também de uma inspiração pessoal. Como regente e educador, sempre admirei nele a coragem de dissolver fronteiras, de mostrar que a música popular pode ser trabalhada com o mesmo rigor, beleza e profundidade que qualquer obra do repertório erudito.

Marcos Leite ensinou que o coro é mais do que técnica, é presença, alegria e partilha. E talvez o maior tributo que possamos prestar à sua memória seja continuar cantando o Brasil, como ele fez: com harmonia, com inteligência e com o coração.

 

🎧 Para ouvir: Hey Jude (John Lennon/Paul McCartney) - Grupo Vocal Garganta Profunda

 

 

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Grupo Vocal Garganta Profunda Marcos Leite - YouTube

 

 

O Requiem de Mozart e a celebração da vida

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